Noite Tenebrosa
O ocaso caiu sobre a ilha qual manto escuro, escondendo lentamente os últimos vestígios da luz vermelha da tarde. Aves aquáticas procurando acomodação na vegetação da costa ribeirinha, misturavam seus sons estridentes ao barulho suave das marolas do rio. Pouco a pouco o burburinho diurno deu lugar à serenidade misteriosa da noite. Ao calor intenso do dia sucedeu a frescura revigorante da brisa noturna.
Na cabana rústica a família reúne-se em volta do fogo crepitante onde uma chaleira preta, sob o olhar vigilante da mulher, aquece a água para o café que acompanhará o jantar frugal. A chama ondulante e fumacenta do candeeiro ilumina precariamente o ambiente provisório, onde os membros da família trocam breves palavras sobre o trabalho do dia.
Sobre a esteira estendida no chão batido os corpos dominados pelo cansaço se entregaram, sem resistência, ao sono merecido. O silêncio caiu sobre a cabana, a luz vacilante se apagou. Um latido fez-se ouvir ao longe tangido pelas refregas de vento como que saído das entranhas da noite. Suaves rajadas açoitavam as frágeis paredes de palha produzindo um farfalhar intermitente. O céu sem nuvens semelhante a um véu negro cheio de pontos brilhantes compunha o cenário.
Não muito longe dali o homem embriagado em atitude ameaçadora ergueu levemente a camisa colocando à mostra o cabo do revolver que trazia na cintura por baixo da calça. A menina, sem hesitar, se pôs a correr em pânico embrenhando-se na escuridão. Ao vê-la fugir puxou a arma e apertou o gatilho. A treva noturna e o efeito da cachaça impediram-no de acertar o alvo.
Ofegante ela tentava alcançar a cabana mais próxima. Em desespero atravessou, correndo e aos gritos, a cabana onde o casal repousava com as filhas. Saindo pela porta dos fundos desapareceu no milharal. A mulher despertou ao ouvir aqueles gritos ecoando na noite e, dirigiu-se à porta da frente onde viu, na penumbra, a figura cambaleante aproximar-se com a arma em punho. Ouviu-se o estampido à queima-roupa. Um barulho surdo e o corpo da mulher caiu sem vida. Ao grito desesperado das filhas o marido se levantou e foi alvejado sem nem ter pronunciado palavra caindo arquejante no chão. Os filhos maiores, que dormiam na cabana vizinha, ouvindo os estampidos partiram para ver o que estava acontecendo. Viram, atônitos, a tragédia consumada: o pai e a mãe estendidos envoltos em sangue. Os dois rapazes se lançaram com fúria sobre o bêbado. O irmão mais novo portando um facão desferiu repetidos golpes violentos. Num instante o corpo do agressor embriagado virou um monte de carne desfigurada ao lado da cabana de palha.