PELA LAPA
O vento parece outro quando o ônibus deixa a praça Tiradentes para trás e passa pela Igreja presbiteriana, que está ali como um último vestígio desse nosso mundo normal, quase um limite, você pensa, enquanto as estátuas parecem te observar.
Mas já não se pode fazer nada, apenas se deixar levar pela descida escura,o que não parece um bom prenúncio, porém não há tempo de lembrar das estátuas lá em cima, pois, em poucos segundos, você enxerga os arcos, vários, e, durante a travessia, sente que deve estar exatamente ali, naquele lugar sem tempo.
Os passos não são firmes como se imaginava e a caminhada segue, uma mistura de prazer e receio. Receio de estar em um lugar que atrai, mas nunca se mostra inteiro. Apesar disso, as pessoas , de pé, pelas diversas ruas, se divertem, riem e te observam, mais que isso, parecem pertencer àquelas vielas e bares, talvez estivessem ali o tempo todo.
Quem sabe não teriam feito o mesmo caminho tempos atrás e fora fácil permanecer ali, à parte, compartilhando alegrias. Será o certo o certo a fazer?, você pergunta a si mesmo ao terminar a primeira cerveja, perto da pizzaria Guanabara
Seguindo pela esquina da Guanabara, o receio dá lugar a curiosidade, ou melhor, vontade de mergulhar mais fundo e fazer parte daquela multidão que, ao som do samba, se divide entre rua, calçada e o balcão de um bar.
Antes de se incorporar ao grupo, você olha mais uma vez, incrédulo. Algumas situações não precisam de um entendimento completo, basta vivenciar. Você, enfim, se separa do mundo lá fora, enquanto a noite, que deveria ser eterna, avança velozmente.
Já um novo cidadão, a jornada continua em direção oposta aos arcos e a caminho da escada Selarón, onde alguns violões soam envolvidos por pequenos grupos que cantam Tim Maia, Legião Urbana..... outros apenas conversam e você fica ali, ao pé da escada, esquecendo um pouco de tudo, de quase tudo, que te torna um pouco menos feliz. Mesmo sabendo que nada sumirá, é bom estar assim, observando.
Entretanto, nem na lapa a noite é infinita e, logo que o dia ameaça nascer, você faz o caminho da volta, sem saber bem o que sentir, mas com a certeza de algum tipo de felicidade que não saberia explicar . Enquanto retorna, mantém a janela fechada e adormece como quem recusa a claridade