Rosas Vermelhas

Ah, a emoção de ganhar um Festival Estudantil da Interpretação nos anos 80.

Ainda estava com a euforia da vitória impregnada no meu corpo, na manhã do dia seguinte, quando recebi no meu endereço um lindo bouquet de rosas vermelhas.

Não eram poucas as rosas. Duas dúzias, para ser exato. Com a entrega, um cartão feito com uma fina camada de madeira reciclada, com os seguintes dizeres:

"Você estava maravilhoso, apaixonante. Com muito carinho

Beijos, Gil."

Isso foi totalmente mindfuck. Quem era "Gil"? Gildete? Gilmara? Que porra é essa? Bem, de certa forma acertou completamente no meu ego, absolutamente envaidecido.

Fiquei com essa pergunta na cabeça durante dias, até que não aguentei mais, eu iria entrar em colapso. Uma pessoa me manda flores e eu nem sabia quem era. Pelo menos eu tinha a OBRIGAÇÃO de retribuir o gesto de carinho.

E assim tomei meu rumo direto para a Flores Neuza, na época comandada pelo saudoso Claudinho.

Chegando na floricultura, encontrei seu funcionário, Alfredinho Sartory (sim, o colunista social) e ao adentrar no recinto, indaguei:

- Como posso saber a origem de um presente?

Ele estava ajeitando alguns arranjos florais, mãos rápidas arrumando as flores. Parecia que nem tinha se importado com a minha presença e só empinou o queixo, olhou para mim com desdém e continuou com seu ofício. Eu insisti:

- Por favor? Eu recebi um bouquet de rosas. Eu preciso saber quem me enviou! Gostaria de retribuir o presente.

Então ele parou de ajeitar as flores, deu um impaciente suspiro e com as mãos na cintura, respondeu-me:

- Você REALMENTE não sabe quem lhe enviou as flores?

Eu respondi que não, que se soubesse, não estaria ali perdendo o meu tempo nem disperdiçando o dele.

E então ele mandou sem choro, nem vela:

- Gi****** *******

Um nome masculino. Caraio. Não estava esperando por isso. Tudo ficou leve, o estômago deu uma revirada, o coração insistia em querer sair pela garganta - e o pior, eu CONHECIA o cara!

Talvez pelo fato de ser bastante despojado para a época e maluco o suficiente para usar ombreiras, cabelo punk e camisetas pink (ao mesmo tempo) tenha confundido um pouco o ponto de vista que as pessoas me enxergavam, mas curtir homem que não fosse meu avô ou meu pai, não era a minha praia.

E arrasado voltei para casa, arrastando minha cara pelas lajotas e paralelepípedos.

"Gi" nunca teve uma resposta minha. As vezes, nos encontrávamos pela rua e conversávamos como-está-a-vida-sumido e coisas assim, típicas de gente que não tem assunto para conversar.

Muitos anos se passaram até que eu, adulto e com a cabeça mais aberta, fui cortar meu cabelo no seu salão. Sim, "Gi" havia assumido sua condição sexual e era um profissional muito competente na sua área.

Nessa época eu estava fazendo uma festa com Chicão chamada "Blackout", justamente para relembrar aquela época gostosa do início dos anos 90.

Ele estava muito embaraçado. Era visível. Mas fez questão de cortar meu cabelo. Durante o corte conversamos sobre coisas do passado até entrar no assunto "festival". Disse que ganhei muitos presentes, inclusive rosas, na época. Senti o momento que a tesoura parou de cortar. E desviei do assunto e voltamos para as coisas dos dias atuais.

Após o corte, paguei-lhe ( e acreditem, ele queria recusar) e dei-lhe de presente quatro convites para ele curtir a festa com seus amigos.

E disse-lhe:

- Um presente pelo presente.

Os olhos dele marejaram e eu saí.

Naquela noite, não tinha cara mais feliz naquela festa da Blackout do que o "Gi".

Fábio Marchi
Enviado por Fábio Marchi em 22/08/2011
Reeditado em 22/08/2011
Código do texto: T3174876
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