Rozinete

Nunca fui santo. Mas um dia acharam que eu ainda poderia me tornar um e, em uma tentativa quase desesperada dos meus avós maternos para acalmar meus ímpetos juvenis, matricularam-me em uma Escola Adventista.

Eu estava impossível. Quem sabe, a presença marcante de "Deus" e um pouco de religiosidade mais rígida na minha rotina escolar me deixariam, digamos assim, sem trocadilhos, "manso como um cordeiro"...

Embora tenha ficado lá com os adventistas por pouco tempo (fiz o segundo semestre da sétima série e primeiro semestre da oitava série), literalmente, fiz escola...

É bem complicado quando você é um jovem com uma personalidade bastante definida, forte, com sua própria ideologia, crenças e sua filosofia sobre encarar o mundo. Eu desde cedo tinha meus questionamentos teológicos, e aquela balela toda sobre religião cristã do tipo "oh- como-sofro-e-mereço-sofrer-porque-nasci-pecador" me entediava bastante. Para mim, pouco me importava se Adão fodeu a Eva. Deus tinha criado a combinação pinto & xoxota para quê? Em uma dessas aulas, acabei ficando de castigo ao questionar para o meu professor, diante de toda a sala:

- Se Deus não quisesse que o sexo existisse, então que criasse a mulher com um pênis também e não com um buraco para essa finalidade.

Foi um bingo bem marcado e custou-me muitas cópias de alguns salmos e versículos como dever extra de casa. Mas foda-se, tinha demarcado meu território.

Não me ajoelhava nos cultos. Ficava sentado. Queria tomar uma resposta curta e grossa sobre religião? Era só me questionar.

Acontece que eu LIA a Bíblia. Confesso para vocês que nesta minha existência, eu já devo ter lido a Bíblia umas duas vezes, sem compromisso, just for fun. E desmontava argumentos filosóficos-teológicos com a pura lógica, minha mais brava aliada. Quando perdiam, apelavam para o famoso "desígnios de Deus" ou pior, a "lógica de Deus é diferente da lógica dos homens" - esse último, um argumento repugnante, pois jamais passaria pela minha cabeça torturar meus filhos amados com o fogo ETERNO do Inferno, mas fazer o quê, estava lá e tinha que ouvir essas bobagens que entravam por uma orelha e saia do mesmo jeito que entrou pelo outro lado.

E assim, com questionamentos e atitudes como estas - no Adventista - eu era um macho- alfa.

E os machos-alfa tem suas vantagens. A melhor e mais importante delas:

GAROTAS.

Sim, queridos leitores. O Adventista era uma escola mista, com muitas garotas que graças aos desígnios de Deus, usavam saias plissadas, leves e esvoaçantes - e O agradeço pelo fato de que as mulheres crentes não possam usar calças compridas, pois facilitam as coisas.

Tudo bem que o uniforme do Adventista era a coisa mais horrivel do mundo, calça marrom e camiseta bege, não podia rolar um jeans - a vestimenta criada pelo Capeta para deturpar a moral e os bons costumes - mas que se dane, havia a saia plissada para as meninas e eu poderia ser daltônico que isso não importava.

Nos fundos da escola, havia uma construção em andamento, era o novo prédio da escola que estava sendo erguido. Dois andares de tijolos aparentes, janelas sem vidro, escadas sem corrimões, piso sem ladrilhos. Lá dentro, sacos de cimento, montes de areia e caixas de material de construção entulhadas sem nenhuma ordem.

Um local perfeito para uns sarrinhos na hora do recreio.

O segredo era ter um timming perfeito. Um olho nos monitores e outro na porta da construção. Quadra cheia de gente, alguns amigos começavam a fazer barulho do outro lado da quadra, os monitores olhavam para eles. Era o sinal para Fábio e sua parceira pecadora para subirem as escadas para resfregar-se aos desejos da luxúria no andar vazio, por pelo menos quinze minutos.

A saída era muito mais fácil. Com todos movimentando-se ao mesmo tempo na direção das salas, não atraíamos suspeitas, desde que não perdessemos a hora do sinal do término do intervalo.

Duas dessas parceiras de libidinagem, que marcariam aqueles quentes intervalos estudantis, eram a Sofia e a Rozinete.

A Sofia era muito mais safada que a Rozinete - e sabia da existência desta última - porém a Rozinete não sabia da existência da Sofia. Eu usava todos os artifícios possíveis para que a situação permanecesse desta forma. Como um profundo observador do temperamento feminino, tinha certeza que se a Rozinete descobrisse, não iria mais querer alguma coisa comigo. Desta forma, fui levando do jeito que pude, não namorei nenhuma delas e hoje penso que naquela época, já havia exercido o conceito de "ficante" e não sabia.

A Sofia proporcionava alguns dos amassos mais quentes que tive na vida. A mulher respirava prazer a cada beijo, a cada toque. Gemidos escapavam sem pudor quando minha língua passeava pelo seu pescoço e foram raras as vezes em que vi uma mulher revirar os olhos daquela maneira, trêmulos e frenéticos.

Mas a Sofia tinha um namorado, grande, mais velho, marrento e forte que a pegava na saída da escola. Então, nosso affair permanecia dentro dos muros do Adventista, pois eu era maluco, mas não era louco.

Porém a Rozinete era livre e disponível. E disponível do jeito e da forma que eu queria.

Mas a Rozinete não era tão bonita. Olhando do ponto de vista de um garoto que se excitava até com as páginas de lingerie de um catálogo da Hermes, não havia problema algum. Porém, se comparada com outras garotas que eu me relacionava fora da escola, ela era meio feinha.

Morena e magríssima, suas pernas eram finas, muito finas. O cabelo preso aumentava a proporção da sua cabeça em relação ao seu corpo quase esquálido. Olhos grandes, amendoados e uma boca carnudíssima. Porém, tinha uma bundinha tímida e gostosa de apalpar e um par de peitos que era a cereja do bolo: eram peitos astrônomos, cujos bicos não cansavam de apontar para o céu, duros como a juventude nos ensina que são. O beijo era bom, sua boca farta sugava minha língua até doer a base da mesma. Não se depilava,apenas passava descolorante nos pelos das pernas e do ventre e até que a esta exótica combinação de dourado com a pele morena era algo visualmente interessante de admirar, verdadeira obra de arte suburbana.

Para falar a verdade, nos padrões de beleza de HOJE, a Rozinete até poderia ser uma modelo, seja pelo corpo esguio que possuía, como pela forma de andar, na pontinha dos pés, coluna ereta, braços longos e mãos finíssimas. Mas para a época, ela era o que os garotos chamavam de vara-pau. E eu tinha vergonha de ser visto com ela em público, pois isso poderia queimar meu filme perante outras garotas que tinha interesse.

Aparecia na casa dela geralmente quando sua mãe estava dormindo, após o almoço. Ou então quando ela me avisava na escola que todos da casa iam sair para compras ou algo do tipo em determinado horário. E lá eu ia para mais uma sessão de esfrega-coxas.

E a Rozinete acabou tornando-se, informalmente, minha quebra-galho.

Sei que isso pode soar maldoso ou pejorativo para a maioria das meninas, porém, no universo masculino isso é uma coisa absurdamente comum. Os homens, culturalmente (ou biologicamente, whatever), em sua grande maioria, tem objetivos bem definidos de mulheres para ficar e mulheres para namorar. Uma grande bobagem, eu sei. Já namorei com santinhas mais putas que putas de estrada como também já tive o mais sincero amor que uma meretriz pode oferecer, mas infelizmente os homens tem esses conceitos machistas e irracionais na cabeça, cest la vie.

Pensando desta forma, eu tomava todos os cuidados para não ser visto com ela nos locais de muito movimento. Os encontros, em sua maioria, eram sempre na casa dela.

Às vezes ela queria ir ao cinema, e eu sempre marcava no Cine Tupi, que por ter menor movimento, nós nos encontraríamos lá dentro. Uma vez na escuridão, os amassos rolavam sem o menor pudor. Para dizer a verdade, nesses momentos não me importava com o que pensariam. Eu só queria sorver e absorver a Rozinete.

Em alguns momentos, os amassos eram dentro da Galeria Pantanal, após o cinema. Tardes de Domingo, galeria vazia, cantos escuros, um peito para fora da blusa, ziperes abertos, bocas quentes.

Um dia, a Rozinete quis ir comigo para a Avenida, a meca, o point da cidade, após o cinema. Não dava. Eu já tinha outras namoradinhas.

Minha galera estaria lá. Empaquei.

Pensava no que iriam falar, no filme queimado, nos outros caras que eu conhecia e que também já tinham amassado a Rozinete. Não dava. Eu tinha uma reputação a zelar.

Dei todas as desculpas do mundo que consegui encontrar na minha canalhice enciclopédica.

A Rozinete percebeu meu desconcerto. Ela olhou-me profundamente com os olhos cheios de lágrimas e questionou suas afirmações:

- Fábio, você por acaso tem vergonha de mim?

Senti-me desnudo. Por mais que eu tentasse responder, não consegui. Não sei se gaguejei, não sei se engasguei - pois os homens possuem a conveniente tendência de esquecer momentos de fraqueza como estes.

E a Rozinete foi embora chorando, para casa. E eu fiquei ali, plantado na esquina da Delamare com a XV, com a sensação de ser, naquele momento, o pior dos filhadaputas do mundo.

Tentei ligar para sua casa, falar com ela, pedir desculpas, mas nunca estava disponível. Já não a via, pois não estudava mais no Adventista, eu estava no Santa Teresa e tinha um grande festival de música pela frente...

E assim, nunca mais vi a Rozinete na minha vida. Não sei por onde ela anda, não sei o que ela fez da sua existência. Mas sei que gostaria - e muito - de lhe pedir desculpas. Não por tê- la usado (pois ela também me usou - e muito bem) mas por não ter sido sincero com ela desde o início.

Todo jogo é uma delícia de ser jogado, desde que as regras sejam claras para todos os participantes.

A Rozinete me ensinou isso, pois nunca mais joguei dessa forma egoísta e cruel.

Fábio Marchi
Enviado por Fábio Marchi em 21/08/2011
Código do texto: T3173893
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