Caiaque
O dia estava quente, o sol estava a pino como só os corumbaenses o conhecem e parecia um daqueles dias ideais para refrescar o corpo.
Mas como todo bom garoto na faixa dos doze anos de idade, para quê ir na piscina do Corumbaense (clube do qual NUNCA fui sócio - sempre nos deixavam entrar, eu e a minha grande cara-de-pau...)? As meninas mais assanhadinhas iam no Grêmio ou no Riachuelo, porém, naquela tarde de domingo, o que eu queria mesmo era uma aventura, alguma coisa mais radical emuito mais emocionante que dar uns amassinhos debaixo dágua.
Eu não estava com saco para ser ignorado pelas cocotinhas do clube, que adoravam fazer um cu de diabético para rolar um beijinho ou ainda, fingir que gostava de jogar bola, coisa que nunca foi a minha praia. Era um dia que eu estava a fim de ficar só, de curtir o meu momento.
E pensando desta forma, encontrei-me no Porto Geral de Corumbá.
Pensava em ficar por ali, naquele local onde desmbocava a Ladeira Cunha e Cruz e algumas pessoas levavam os carros para lavar, enquanto o resto da galera ficava nadando ali perto. Parecia interessante, seria um dia diferente.
Assim, não convidei ninguém para servir de testemunha para o fato que passo a narrar.
Durante minha trajetória para o local citado, deparei-me com uma casa no porto, antiga, de portas altas e com uma placa escrito: ALUGAM-SE CAIAQUES.
Ora, ora. Andar de caiaque parece ser uma coisa bem interessante e retardadamente simples. É só sentar, girar os braços e remar. Não é necessário ter um QI de judeu para isso.
Conversei com o dono do local, acertamos o preço e o tempo da locação e de lá saí eu, arrastando um pequeno caiaque para a minha nova e exclusiva aventura.
Faço uma pequena nota mental aqui: QUEM EM SÃ CONSCIÊNCIA HOJE LOCARIA UM CAIAQUE SEM COLETE SALVA-VIDAS PARA UMA CRIANÇA DESACOMPANHADA DE UM ADULTO E COM DOZE ANOS DE IDADE, POTAQUEPAREO?
Ok, lá fui eu, todo garboso e pimpão, para a beira do Rio Paraguai. Primeiro arrastei o caiaque e depois voltei para pegar o remo.
Entrei no pequeno compartimento, alinhei minhas pernas e empurrei o bicho com o remo de pontas duplas, afastando-o da margem e dos camalotes costeiros, senti o atrito das pedras debaixo de mim diminuindo e comecei a remar.
Simples demais! Com um movimento circular, alternando os braços, lá estava eu navegando pelas águas caudalosas do principal rio do Pantanal.
Que delícia, que prazer indescritível. Biguás mergulhavam famintos para garantir seu lanche. Ao longe garças e tuiuiús faziam seu balé aéreo, colorindo o céu sem nuvens.Rio cheio, camalotes descendo mansos enquanto um ou outro peixe mostrava seu dorso para o sol, espirrando água à sua volta. O único som que interrompia meus pensamentos era o do remo agitando as águas.
Resolvi então, subir o rio. Rota simples: subiria remando o máximo que pudesse e, quando estivesse cansado ou o tempo da minha locação estivesse se aproximando, desceria com a correnteza e a minha aventura terminaria ali.
Temos muitos planos na nossa vida não é? E como muitos outros planos na minha, esse plano falhou miseravelmente.
Algumas dezenas de metros após a primeira curva do rio acima, passou uma lancha gigantesca do meu lado e nada me tira da cabeça que o cara fez de propósito. Também nada me tira da cabeça que era o Buxexa, como sempre, exibindo-se.
Bem, de acordo com as leis da Física aplicada aos líquidos, esse objeto pesadíssimo em alta velocidade sobre uma superfície estável fez uma onda do caralho que praticamente virou o maldito e frágil caiaque.
Eu, sem experiência alguma, caí na água e imediatamente me segurei no bicho. O remo distanciou-se e eu não pensei duas vezes: TENHO QUE PEGAR ESSA MERDA! E instintivamente soltei do caiaque para pegar o remo, já há varios metros de distância. No meio do caminho entre o caiaque e o remo, veio-me um pensamento esquisito na cabeça:
- Fábio, desde quando você sabe nadar?
Pânico. O coração veio na guela. Comecei a engolir água. Só tentava lembrar das imagens de pessoas nadando armazenadas na minha memória. Comecei a agitar os braços sequencialmente, mas não conseguia erguer minhas pernas de jeito nenhum, não conseguia equilibrar meu corpo. Porém, estava eu nadando como um cachorrinho, o estilo de natação mais feio e desengonçado que alguém pode realizar na vida. Mas estava dando certo e consegui pegar o remo. Uma mão no remo e joguei ele na direção do caiaque. E lá vou, o mais novo cachorro dágua, apurado para chegar à minha salvação.
Agarrei-me ao caiaque. Agarrei-me ao remo. Ok, agora como subir nesta merda novamente? Não ia dar certo. O caiaque estava com muita água. Flutuava, porque era feito de fibra de vidro, mas estava mesmo com MUITA água dentro.
Então coloquei o remo dentro dele, alinhei meu corpo com a ponta do caiaque e como se estivesse brincando de pula-sela, subi meu corpo na ponta do dito cujo.
Teria que ir me equilibrando e remando daquela forma até chegar no Porto Geral.
Mas ainda tinha um outro problema. Todo grande rio, inevitavelmente tem uma correnteza. E o Rio Paraguai não era diferente. O trecho calmo que sabiamente escolhi para subir, não era o caminho da minha volta.
Remava como um louco para escapar da correnteza que fatalmente me levaria para as pedras do farol. E não me agradava nem um pouco a idéia de morrer afogado ou, pior, com um grande corte, servindo de isca para um cardume de piranhas, tão comuns naquela área.
Assim, remava como se quisessse voar dali. Meus braços doíam. A cãimbra tomava conta do meu corpo, mas eu não estava nem aí. Quanto mais doía, mais eu remava.
Só consegui relaxar quando entrei na zona calma e tranquila do Porto Geral. Minhas pernas e braços doíam tanto quanto tremiam.
Tirei o caiaque da água, abri o tampão para escoar a água interna e nem sei como consegui levar ele de volta para o seu dono, de tão fraco que eu estava.
Chegando no local, o dono do caique me disse, com um sorriso maroto:
- Passou por um sufoco, hein? Vi tudo daqui, hehehe.
O grandessíssimofilhodeumagrandeputa assistiu toda a minha papagaiada com binóculos. E não fez absolutamente nada!
Minha vontade era de utilizar todo meu vocabulário de baixo calão disponível naquele momento, mas eu estava tão exausto que nem me dei ao trabalho, peguei o dinheiro molhado na minha bermuda Cantão preta, coloquei meu par de tênis Redley amarrados pelo cadarço no pescoço e fui embora para casa, pés descalços e enrugados no chão, torso nu (minha camiseta eu perdi e por ironia do destino, era uma Quebra-Mar).
Fiquei sem andar de caiaque durante um bom tempo - que eu me lembre, até aprender a nadar corretamente - mas não perdi meu espírito aventureiro por causa desse susto.
Porém, nunca, mas nunca mesmo, embarquei em outra aventura solitária na minha vida.