Pimenta

Uma das fases mais porralocas da nossa vida é, sem dúvida a infância. Muitos de vocês podem considerar a adolescência como o ápice da porraloquice humana, mas não. A infância, para mim ocupa este posto com méritos e vou lhes explicar as minhas razões:

Na nossa infância, não medimos absolutamente NENHUMA consequência. Sim, todos os nossos atos são concretizados apenas pelos nossos mais puros e instintivos desejos. Na adolescência, nós ainda refletimos sobre isso ainda que parcamente e soltamos um "foda- se", mas na infância, nem isso passa pela nossa cabeça.

Deu vontade, faz e pronto. E a merda está feita.

Como já dissem em textos anteriores, meu pai trabalhava no Banco do Brasil e bem no início da sua carreira, foi alocado para exercer seu ofício na pequena e pacata cidade de Maracaju.

Eu, como estudava em Corumbá, só visitava meus pais nas férias escolares. Eu deveria ter uns seis ou sete anos nessa época (as conexões neurais estão começando a falhar).

Em Maracaju, meus pais moravam em um conjunto habitacional. Casas simples, porém bem- construídas, quintal amplo, ruas estreitas e íngremes, superpopulado por crianças. Tínhamos à disposição um cenário ideal para todo tipo de merda possível, desde descer com um carrinho de rolimã ladeiras abaixo, que desembocavam em uma avenida movimentada até corrida sobre os muros das casas, ainda que algumas destas casas possuíssem cães raivosos pululantes, avídos por algumas canelas.

E eu me metia em diversas merdas infantis. Muitas vezes a sorte me salvava, como a vez em que brincávamos de esconde-esconde em um taquaral próximo, até que as primeiras gotas de chuva começaram a cair. Alguém teve a ideía de ficar, mas após as meninas chorarem por causa da chuva que estava caindo torrencialmente, decidimos todos irmos embora para nossas casas. Uma sábia decisão, pois instantes depois, um raio caiu no local e eincendiou todo o taquaral.

Em outra ocasião, na casa dos meus pais havia uma generosa varanda rústica, com vigas de madeira de lei aparentes. Não sei de onde tirei a idéia de fazer um laço para me balançar - eu saltava do muro, agarrava-me ao laço e balançava como um macaco - mas saltei com o laço ainda balançando, minhas mãos agarraram a corda acima do laço e minha cabeça encaixou-se perfeitamente no circulo mortal. Fiquei esperneando, coiceando no ar não sei por quanto tempo até que por sorte ou destino, caí desajeitadamente no chão. Seria interessante ver a cara dos legistas e da imprensa local, assim as teorias formuladas para saber por que uma criança de sete anos se enforcaria daquela forma...

As vezes a sorte dava-me as costas, como a vez em que, ao brincar de pegador sobre os alicerces aparentes de uma construção local, eu caí e meu pé encontrou uma lata de óleo aberta, enferrujada e bem afiada, que me custaram oito pontos no pé e algumas injeções de antitetânica além da óbvia surra da minha mãe, logo na saída do hospital.

Mas a maior das minhas merdas infantis, e esta com um destaque especial no meu placar, foi a seguinte situação:

Na rua da nossa casa em Maracaju havia um garoto cujo nome era Rivelino (imagina-se que os pais eram fãs do famoso craque, não é?), porém esse garoto era mais velho que a média da gurizada da rua, e aproveitava-se desta situação. Roubava nos jogos, impunha-se pela força, uns cascudos aqui e ali. Mas como todas as crinças são um pouco masoquistas e um pouco esclerosadas, este pequeno detalhe logo passava desapercebido e todos adoravam o Rivelino.

O Rivelino tinha outra vantagem: no seu quintal havia um "campo" perfeito para jogar bolitas e muitos brinquedos bacanas. E assim, todos iam para a sua casa, que ficava distantecerca de duas casas, na quadra defronte à minha.

Um dia minha mãe viu o Rivelino tratando mal um outro garoto na rua, perversamente. E me disse:

- Não quero mais ver você andando com o Rivelino.

Eu até tentei argumentar, mas minha mãe era, bem, deixe-me pensar nas palavras apropriadas para seu estilo educacional...hummm...."enérgica e inflexível".

Passaram-se alguns dias após este rompimento diplomático até que a mãe do Rivelino encontrou-me absorto nas minhas brincadeiras com meu Falcon, na calçada e indagou-me:

- Fabinho, você sumiu da nossa casa. Porque não aparece mais lá, menino?

Tilt cerebral. Se eu falasse que minha mãe havia me proibido, a Terceira Guerra Mundial seria iniciada. Não poderia dedurar a minha mãe. Como resolver essa questão em millisegundos e com a capacidade cerebral infantil? A resposta veio na ponta da língua, tão absurda quanto ligeira:

- Porque ele é doente.

Rá. Essa foi boa, né Fábio? Afinal de contas, ela não me perguntou mais nada, apenas olhou-me com um ar de interrogação e foi embora. Ufa! Escapei dessa...

No dia seguinte, mais ou menos na hora do almoço, ouvi as palmas no portão. Era a mãe do Rivelino. Meu "instinto de aranha" infantil me alertou: alguma coisa não ia bem. Minha mãe atendeu a porta. Ela havia acabado de chegar do trabalho e estava cansada, sua manhã havia sido complicada. Realmente, o destino conspirava contra mim.

- Pois não?

- Bom dia, Vera. Aconteceu uma coisa muito chata ontem. Seu filho disse que meu filho é doente. Gostaria de saber que doença é essa que ele tem, porque eu, como mãe dele, não sei.

Gostaria sinceramente de descrever a cara que minha mãe fez ao olhar para mim nesse momento, mas acho que o trauma bloqueia certas coisas na nossa mente. Então minha mãe disse gentilmente para a mãe do Rivelino:

- Olha, eu não sei por que cargas dágua meu filho disse isso. Mas pode ter absoluta certeza que vou descobrir isso. Por hora, minhas sinceras desculpas e prometo que isto não se repetirá novamente. EU GARANTO.

Senti um frio na espinha nesse momento. Acho que tinha me fodido legal dessa vez.

A mulher foi embora, minha mãe me levou para o banheiro, arrancou minhas calças e fez o cinto cantar alto nas minhas pernas. Pulava como sapo em um braseiro.

Ela dizia:

- Você está maluco, menino? De onde você tirou uma história dessas? Você tinha noção do problema que poderia nos causar? Mas hoje você vai aprender a ser prudente com as suas palavras, para o resto da sua vida.

E dizendo isso, dirigiu-se para a cozinha.

Capsicum frutensens. Fiz questão de gravar o nome científico da pimenta malagueta. Afinal de contas, comi uma colher de sopa recheada das mesmas. Meus olhos lacrimejavam e parecia que o Diabo havia cagado na minha garganta. Vomitei tudo, fiquei mal prá cacete. Minha mãe emendou:

- Prefiro ter um filho morto do que um filho mentiroso, que ainda vai estragar vidas alheias no futuro.

E me mandou tomar banho e não falar uma só palavra pelo resto do dia.

Quando meu pai chegou do trabalho ela dissertou sobre o ocorrido, meu pai escutou tudo com atenção, mas não me disse mais nada. Acho que pensou que eu já tinha me fodido o suficiente e, como homem, sabe que as proporções deum guri fazer merda são estatisticamente maiores do que uma menina. Então satisfez-se com isso.

Bem, nesse dia minha mãe esculpiu um filho honesto, mas tão honesto, que mais tarde me meti em encrencas por só falar a verdade (e prometo que relatarei sobre isso algum dia). Mas nunca tive raiva da minha mãe por ter agido dessa forma comigo. Ela pode até ter se excedido na correção, mas foi válida, deu certo e ajudou a moldar meu caráter.

Porém, nesse dia - um espetacular e ardente dia - o Brasil perdeu o embrião de um excelente político.

Fábio Marchi
Enviado por Fábio Marchi em 20/08/2011
Código do texto: T3171902
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