Vida Simples
Vida Simples
Parece um contrasenso, um despautério, falarmos de simplicidade num mundo tão complexo, tão permeado de tecnologia como este em que vivemos. No entanto, desde que descemos das árvores, não fazemos outra coisa a não ser acumular coisas para nosso bem viver - a maioria de necessidade grandemente questionável, sendo que, a bem da verdade, não precisamos de tantas coisas assim em nossa trajetória por este planeta chamado Terra.
A culpa de eu estar escrevendo sobre este assunto mais do que chato, esse tal de viver simples, é da Eliana: claro está que não poderia ser de outra pessoa!
Afinal, a gaja se tomou de amores pela simplicidade desde que adquiriu uma bicicleta montain bike e saiu por aí a pedalar já faz uns bons cinco meses.
Vai prá todos os lugares com a tal bike: desde um sofisticado passeio ao shopping center, como se embarafustar por uma estrada cheia de carros e voltar para casa com a cara cheia de fuligem, poeira e um enorme sorriso que mais se parece com um desses anúncios de bem estar. Uma pontinha incipiente de inveja começa a me encasquetar: com a parceria de Eliana e a famigerada bike, pernas bem torneadas e musculatura bem definida vieram a tona, gerando até apalpadelas das colegas de trabalho, querendo conferir se aquelas coxas são de verdade ou uma composição modernosa de silicone.
Como eu me considero um tabaréu bem prevenido e não quero passar vexame o jeito foi encomendar uma bike também e fazer companhia para Eliana em suas incursões por esse mundão afora.
Ainda me detendo um pouco mais no quesito prevenção, fiz um acordo com meus parentes lá da Catinga de Cima: eles me enviaram o meu antigo bodoque com um estoque de balas de barro que nós usávamos para caçar nambu, e em troca eu levaria, daqui das terras de São Paulo, um radinho de pilha para que eles animem as noites de farinhada.
Fui obrigado a pactuar esse oneroso acordo com a minha parentela porque observei um aumento notável das buzinadas de motos, caminhões e demais veículos poluidores durante os meus passeios com Eliana. Agora, com o meu bodoque em punho e alguns caraminguás a menos no bolso, sinto-me pronto para fazer frente a essa concorrência mais do que desleal – de repente começou a aparecer um grande número de rapazes (E outros nem tão rapazes assim...) reclamando de dores no pescoço nos consultórios dos fisioterapeutas de nossa cidade.
É... Aquela mesma. Aquela dor que dá quando a gente se vira prá olhar uma mulher bonita que passa do nosso lado.
Bem. Vamos deixar de lado esse negócio de torcicolo nos guapos moçoilos e retornemos ao tema do viver simples; minha urticária fica muito agradecida...
O grande desafio de nossa sociedade contemporânea é enfrentar a crescente onda de obesidade que atinge todos os países, notadamente os mais ricos. Hoje, e creio que sempre, nunca foi muito confortável abordar a questão do excesso de peso, seja em pessoas próximas de nós ou não.
Já vi de tudo nessa área: desde aquelas pessoas que passam a quilômetros de uma balança, a outras que escondem, ou quebram, todos os espelhos da casa.
Em uma rápida passada pelos escaninhos de minha memória vejo aqueles meus parentes da Catinga de Cima e do Campo do Amaro: não consigo encontrar nenhum obeso entre eles.
Muito provavelmente a razão dessa ausência de obesidade entre a esmagadora maioria dos habitantes da Terra do Nunca (Catinga de Cima, Campo do Amaro e outros distritos) vai estar no fato de que os mesmos andavam grandes distâncias a pé ou a cavalo, ao invés de se refestelarem durante horas num sofá se entupindo de hambúrgueres e assistindo, sem se levantar para mais nada, aqueles instrutivíssimos programas de nossa excelsa rede televisa.
Eliana, aquela mesma da tal bike, me relatou um diálogo com uma colega de trabalho: a colega lhe falava do programa de televisão “X”, numa forma de preencher aquele hiato que se dá nos intervalos estabelecidos para o lanche. Perguntou para Eliana o que ela achava do tal programa. Ao ouvir de Eliana a resposta de que quase não assistia televisão, e de que, por isso, não conhecia o programa citado, quase reduziu o quadro operacional da escola, matando a colega de susto.
Um diálogo tão prosaico como esse expõe o quanto estamos atrelados ao que nos é imposto, a ponto de não ser concebível você preencher o seu dia sem passar horas assistindo remakes de novelas, (Mal acaba uma, começa outra; e você ali, preso na trama como mosca numa teia de aranha...) ou então vendo apresentadores e humoristas tentando lhe vender a última panacéia que vai curar todas as suas dores.
Nós dois, Eliana e eu, acordamos nesse domingo repleto de sol, por volta das dez horas da manhã. Ficamos namorando em nossa cama, reclamando contra a necessidade de deixar a proteção de nosso dossel, com o Baltasar, meu gato persa, montando guarda do meu lado da cama, já que Eliana não o deixa ficar perto dela. Depois de muita relutância nos levantamos e fomos preparar o nosso desjejum, no qual gastamos mais de uma hora.
Alimentados, fomos tomar banho, cada um em seu banheiro para que não nos demorássemos mais do que o bom senso permitiria, trocamos de roupa e saímos para a feira. Queríamos comprar bananas maçãs para mim...
Claro que a hora que chegamos na dita feira não encontramos mais nada além de alguns gatos pingados arrumando os caminhões para irem embora. Sem nos dar dar por vexados pegamos nossas bikes e fomos para uma sessão de tortura na quadra de basquete do João do Pulo, um complexo poliesportivo perto de nossa casa. Lá nós ficamos arremessando mil bolas para acertar uma, uma proporção bem razoável.
Depois de ser humilhado por Eliana na disputa de cestas, (Acho que ela incorporou o espírito da Hortência) fomos até o shopping comprar algumas frutas, quiçá até as imprescindíveis bananas maçãs.
Como eu estava em pleno inferno astral, fica mais do que evidente que não encontrei as minhas adoradas bananas maçãs...
Em lugar delas me deparei, estarrecido, com uma senhora pesando mais ou menos uns duzentos quilos devorando um desses gigantescos potes de sorvete como se fosse a última missão que tivesse que cumprir nesse nosso vale de lágrimas.
O resultado desse malfadado encontro foi a exigência de Eliana para que eu escrevesse algo sobre Vida Simples...
Terras de São Paulo, manhã de Segunda Feira, meados do mês de Agosto de 2011.
João Bosco