85: Que tem de especial Van Gogh?
Quero ver o que é que Van Gogh tem assim de tão especial que faz com que um quarto de hora antes da hora do museu abrir, haja uma fila dez vezes superior à das senhoras aflitas em Domingo do Senhor Santo Cristo dos Milagres.
Eu sei porque estou aqui.
Na fila, a língua e a bem dizer a língua de Babel, todas as línguas e mais alguma desconhecida.
Posso estar redondamente enganado acerca de Van Gogh, da vida e do carácter de Van Gogh, se calhar até estou mesmo, não sou especialista e o que conheço de Van Gogh é o mínimo que se pode exigir de alguém que nos seus tempos livres lecciona uma disciplina ligada à História da Arte. Mas este pormenor curricular não me vacina contra a ignorância.
Cuidados à parte, com pinças e pezinhos de lã, gostaria de saber o que faz a gente gostar de um louco frustrado que nunca gostou de si?
Ao que parece.
Ou o que faz a gente gostar de um louco completamente falhado?
Ao que também parece.
Será porque os loucos nos atraem? Mas porquê?
Será porque os falhados também nos atraem?
Mas, ainda assim, porquê?
Porque?
Haverá neste gostar um gosto sórdido do sórdido?
Do sinistro?
Do sádico?
Do medo de ser igual
Do querer ser igual?
De piedoso?
Ou será, sobretudo, ou em parte, não sei em que parte e em que sobretudo possa ser, pela obra e pouco mais? Ou também por isso tudo e tudo o mais? Cada qual saberá de si?
Só sei, e não é pouco nem muito, é o que sei e parece-me agora ser suficiente, que aqui estou agora vindo de bem longe, cumprindo um sonho que julgava impossível de cumprir antes do tsunami, o que agradeço, de visita às minhas raízes. Esta é uma delas.
PS: Dez minutos depois de chegar, a porta estará prestes a abrir, a fila atrás de mim, não é preciso contar um a um, nem sermos rigorosos, basta dizer que parece que duplicou.
Entrei no museu, dirigi-me à cafetaria, primeiro, preciso de um café bem forte, onde estou agora, ainda não fui ver a colecção, pode esperar, eu já esperei tanto, com um pensamento agarrado à ideia como eu vi as lapas na minha baixa grande: este homem deve ter qualquer coisa de sagrado!! Como eu senti na capela Sistina.
Amesterdão, 22 de Julho de 2010
Mário Moura