AMIGOS
Geremário e Clodoaldo eram amigos de longa data...mas nunca se deram.
Como é que pode? Podendo, ora! É só olhar para a lei da Física que diz bem claro: "polos diferentes se atraem e iguais se repelem". Tá explicado?
Então, nas raras vezes em que se encontravam a discussão era certa (já sei, lá vem você outra vez com o "como é que pode?" - Podendo, ora! E vê se não interrompe de novo, tá?
Clodoaldo, suburbano, magro, calças folgadas, gravata de cor indefinida, camisa invariavelmente listrada, sapatos meio cambetas...e suspensórios! Fanático torcedor do Flamengo. Vida difícil.
Geremário, meio gordinho, trajava-se com estudada simplicidade, era micro-empresário e aproveitava bem as benesses que o Governo lhe oferecia . Fanático torcedor do Vasco.
Vidinha boa.
E, antes que alguém aí pergunte, vamos logo respondendo: "podendo, ora: olha a lei da Física de novo aí".
Local exato dos seus eventuais encontros: Francisco's Bar, no Andarai.
Figurantes: além dos dois já citados; o Francisco, dono do bar e dois contumazes "bocas-livres", já devidamente aboletados, ocupando duas mesas juntas.
O Francisco.
Espigado, cabelos lustrosos, bigodinho traço- de- lapis, avental sugestivamente enodoado, toalha sobre o ombro, barba por fazer e o indefectível toco de cigarro perigosamente pendente no canto da boca. Se perguntado, não saberia explicar o porque daquele apóstrofo no nome do seu "estabelecimento".
O Francisco's Bar.
Bem medido, teria pouco mais de vinte metros quadrados, onde se amontoavam dúzias de mesas, numa promiscuidade dígna da zona do Mangue. Piso de cerâmica de discutível gosto, cadeiras e mesas tradicionais. Na parede, solitária, uma prateleira expondo tristes e empoeiradas garrafas. Do "banheiro" e da "cozinha" a gente deixa pra falar depois, pra ninguém perder o apetite e deixar de comer aqueles salgadinhos expostos na única vitrina da casa, que fica em frente ao refrigerador centenário, ao qual falta um pé, substituido por uma providencial lata de azeite.
Os "bocas-livres"
Acho que, sinceramente, ninguém sabe seus nomes, talvez um apelido. Porém, isso não faz diferença nenhuma, pois jamais participam da conversa, limitando-se a girar a cabeça de um para outro interlocutor, como o fazem os assistentes de uma partida de tenis... e, é claro, beber.
Dito isso, e como aquele chato parou de fazer perguntas, vamos deixar os dois amigos que acabam de se encontrar.
- Oi, Clodoaldo, quanto tempo, hein?
- Pois é, Geremário, a gente bem que tenta, mas a vida é dura.
- O importante é que estamos de novo aqui e acho melhor entrarmos porque a turma lá dentro tá com sede.
(Entram, sentam-se, após os cumprimentos silenciosos.)
- E aí, Geremário, cadê o carrão?
- Tá na oficina, Clô, quebrou a ribimboca da parafuzeta do eixo trazeiro.
- Pra cima de mim, não. Tu não trouxe ele pra não me humilhar. Eu te conheço bem!
- Para com isso, cara, tô falando a verdade.
- Tá bem, me engana que eu gosto!
(e lá vem o Francisco trazendo uma bandeja atolada de garrafas e copos - ah! os copos, que viram água pela última vez por ocasião do bíblico dilúvio) . Aplausos.
- Geremário, o pessoal tá falando que, quando o Vasco perde, você proibe a ligação do radio e da TV na sua casa. É verdade, mormão?
- É, e vai continuar sendo, pelo menos enquanto aquele seu time nojento não sumir do mapa.
- Ah, ah,ah - sabe quando, nunquinha. Enquanto aquela camisa eternamente de luto estiver em campo a gente vai infernizar vocês.
- Melhor de luto do que a de vocês que é de presidiário disfarçado.
- Ah, e tem mais; todo mundo fala que, por causa disso, a sua TV continua sintonizada na TV Tupi e ainda por cima em preto e branco.
(a esta altura, a ridícula mesa já quase não tem espaço para mais garrafas, isto porque os nossos "bocas-livres" secavam ,ávidamente, todas as que chegavam).
- E a madame, Geremário, como vai?
- Bem. E ontem mesmo perguntou por você.
- Larga de mentir, mano, depois que ela enricou passou a olhar a gente enviesado e a falar com todos os esses e erres. A minha Zilda sentiu isso muito bem.
- Pô, Clô, toda a vez que a gente se encontra dá nisso, cara.
- É porque você é um legítimo burguês que só vem aquí pra me sacanear e eu não sei porque ainda aturo isso. Outra coisa; é melhor que você pague logo a conta porque eu vou me mandar, junto com esses dois pilantras aí.
(Geremário, balançando a cabeça, paga a conta, acena para a galera e sai)
- Ô, Geremário, tomara que tenham quebrado o parabrisa do teu carro e destruido aquele escudo ridículo com uma caravela que já foi a pique, oh, oh, oh.
(da rua, Geremário ergue a mão e aponta o dedo médio para o céu, como resposta)
- E vocês aí, seus esponjas, vou avisando logo; eu mato o primeiro que disser qualquer coisa sobre o meu amigo!
Geremário e Clodoaldo eram amigos de longa data...mas nunca se deram.
Como é que pode? Podendo, ora! É só olhar para a lei da Física que diz bem claro: "polos diferentes se atraem e iguais se repelem". Tá explicado?
Então, nas raras vezes em que se encontravam a discussão era certa (já sei, lá vem você outra vez com o "como é que pode?" - Podendo, ora! E vê se não interrompe de novo, tá?
Clodoaldo, suburbano, magro, calças folgadas, gravata de cor indefinida, camisa invariavelmente listrada, sapatos meio cambetas...e suspensórios! Fanático torcedor do Flamengo. Vida difícil.
Geremário, meio gordinho, trajava-se com estudada simplicidade, era micro-empresário e aproveitava bem as benesses que o Governo lhe oferecia . Fanático torcedor do Vasco.
Vidinha boa.
E, antes que alguém aí pergunte, vamos logo respondendo: "podendo, ora: olha a lei da Física de novo aí".
Local exato dos seus eventuais encontros: Francisco's Bar, no Andarai.
Figurantes: além dos dois já citados; o Francisco, dono do bar e dois contumazes "bocas-livres", já devidamente aboletados, ocupando duas mesas juntas.
O Francisco.
Espigado, cabelos lustrosos, bigodinho traço- de- lapis, avental sugestivamente enodoado, toalha sobre o ombro, barba por fazer e o indefectível toco de cigarro perigosamente pendente no canto da boca. Se perguntado, não saberia explicar o porque daquele apóstrofo no nome do seu "estabelecimento".
O Francisco's Bar.
Bem medido, teria pouco mais de vinte metros quadrados, onde se amontoavam dúzias de mesas, numa promiscuidade dígna da zona do Mangue. Piso de cerâmica de discutível gosto, cadeiras e mesas tradicionais. Na parede, solitária, uma prateleira expondo tristes e empoeiradas garrafas. Do "banheiro" e da "cozinha" a gente deixa pra falar depois, pra ninguém perder o apetite e deixar de comer aqueles salgadinhos expostos na única vitrina da casa, que fica em frente ao refrigerador centenário, ao qual falta um pé, substituido por uma providencial lata de azeite.
Os "bocas-livres"
Acho que, sinceramente, ninguém sabe seus nomes, talvez um apelido. Porém, isso não faz diferença nenhuma, pois jamais participam da conversa, limitando-se a girar a cabeça de um para outro interlocutor, como o fazem os assistentes de uma partida de tenis... e, é claro, beber.
Dito isso, e como aquele chato parou de fazer perguntas, vamos deixar os dois amigos que acabam de se encontrar.
- Oi, Clodoaldo, quanto tempo, hein?
- Pois é, Geremário, a gente bem que tenta, mas a vida é dura.
- O importante é que estamos de novo aqui e acho melhor entrarmos porque a turma lá dentro tá com sede.
(Entram, sentam-se, após os cumprimentos silenciosos.)
- E aí, Geremário, cadê o carrão?
- Tá na oficina, Clô, quebrou a ribimboca da parafuzeta do eixo trazeiro.
- Pra cima de mim, não. Tu não trouxe ele pra não me humilhar. Eu te conheço bem!
- Para com isso, cara, tô falando a verdade.
- Tá bem, me engana que eu gosto!
(e lá vem o Francisco trazendo uma bandeja atolada de garrafas e copos - ah! os copos, que viram água pela última vez por ocasião do bíblico dilúvio) . Aplausos.
- Geremário, o pessoal tá falando que, quando o Vasco perde, você proibe a ligação do radio e da TV na sua casa. É verdade, mormão?
- É, e vai continuar sendo, pelo menos enquanto aquele seu time nojento não sumir do mapa.
- Ah, ah,ah - sabe quando, nunquinha. Enquanto aquela camisa eternamente de luto estiver em campo a gente vai infernizar vocês.
- Melhor de luto do que a de vocês que é de presidiário disfarçado.
- Ah, e tem mais; todo mundo fala que, por causa disso, a sua TV continua sintonizada na TV Tupi e ainda por cima em preto e branco.
(a esta altura, a ridícula mesa já quase não tem espaço para mais garrafas, isto porque os nossos "bocas-livres" secavam ,ávidamente, todas as que chegavam).
- E a madame, Geremário, como vai?
- Bem. E ontem mesmo perguntou por você.
- Larga de mentir, mano, depois que ela enricou passou a olhar a gente enviesado e a falar com todos os esses e erres. A minha Zilda sentiu isso muito bem.
- Pô, Clô, toda a vez que a gente se encontra dá nisso, cara.
- É porque você é um legítimo burguês que só vem aquí pra me sacanear e eu não sei porque ainda aturo isso. Outra coisa; é melhor que você pague logo a conta porque eu vou me mandar, junto com esses dois pilantras aí.
(Geremário, balançando a cabeça, paga a conta, acena para a galera e sai)
- Ô, Geremário, tomara que tenham quebrado o parabrisa do teu carro e destruido aquele escudo ridículo com uma caravela que já foi a pique, oh, oh, oh.
(da rua, Geremário ergue a mão e aponta o dedo médio para o céu, como resposta)
- E vocês aí, seus esponjas, vou avisando logo; eu mato o primeiro que disser qualquer coisa sobre o meu amigo!