Rayuela

 

Quando eu era menina, lá em Arantina, a brincadeira que eu mais gostava era pular maré. Riscávamos na calçada, com pedaços de giz que trazíamos escondido da  escola, um retângulo dividido em quadrados que chamávamos de casas e numerávamos uma a uma até chegar ao final, quando fazíamos um meio arco que chamávamos de céu. Ou riscávamos no chão com um bambuzinho afiado, aproveitando as manhãs garoentas. Lançávamos uma pedra e saíamos pulando com um pé só, saltando sobre a casa onde estava a pedra e só parando no céu. Nunca pensei na razão desse nome, maré, porque Minas não tem mar e eu só fui conhecer uma maré de verdade quando vi o mar pela primeira vez, em Guarapari, no Espírito Santo. Achei até que o nome da brincadeira era válido porque todos na praia, quando a maré vinha, tentavam pulá-la. Pelo menos as baixinhas. Foi só quando mudamos para Lavras que descobri que o nome da brincadeira era amarelinha, o que achei muito esquisito porque de amarelo ela nada tem. Deduzi que em Arantina tínhamos apenas encurtado o nome e deixei para lá.

Não pensei mais no assunto até hoje pela manhã quando fui ao oftalmologista para uma consulta de rotina. Pensei que estava indo para o primeiro horário e que logo seria atendida, mas já encontrei uma multidão aboletada na minúscula sala de espera. Para passar o tempo, peguei uma revista, a preferida dos consultórios médicos e salões de beleza: Caras. Na falta de algo mais atraente para ler parei em uma sessão bem interessante, que trata da origem das palavras. E lá estava ele, o nome da brincadeira: amarelinha.

Essa brincadeira muito antiga, tinha um nome  chique: no francês clássico era conhecida como marrelle ou merèlle,significando pedra. E a explicação para a origem do nome ficou clara, tanto para maré quanto para amarelinha. Parece-me de acordo com a Wilkpédia, que em Minas maré é mais comum do que amarelinha.

Há uma variação muito grande nos nomes dessa brincadeira, tanto dentro do Brasil como em outras partes do mundo,  assim como variações na própria brincadeira e nos desenhos utilizados. No Rio de Janeiro é simplesmente marelinha e em Portugal pode ser, entre outros, Pé cochinho, por motivos  óbvios. Na Espanha, também entre outros é Pata Cocha e Rayuela, o mesmo acontecendo em alguns países sul americanos.

Isso me fez lembrar de um dos melhores livros que li – Rayuela – O jogo da  amarelinha, considerado a obra máxima de Júlio Cortázar, escritor argentino.

É um livro muito interessante porque, a semelhança do jogo, não há um lugar certo para começar a história e muito menos um caminho para seguir. A medida que vamos lendo vamos também construindo o destino dos personagens. Para mim, que adoro folhear um livro, antes de lê-lo corridinho, foi um achado. Talvez seja por isso, que decidi escrever o meu livro A Mulher Ensombrada, de forma semelhante e estou me divertindo muito.

A Mulher Ensombrada é a história de uma mulher que vive sozinha em um povoado despovoado e eu nunca sei o que vai acontecer com ela. A idéia surgiu durante um desafio de um grupo ao qual pertenço aqui no Recanto e que é coordenado pela Nena Medeiros, o Encanto das Letras. Esse grupo dá um tema e nós temos que desenvolver esse tema e eu resolvi que em todos  eu escreveria sobre essa mulher sozinha, não necessariamente solitária, de forma a construir uma história coerente. Ainda não sei se vou conseguir, mas o que estou fazendo são contos avulsos que poderão ser lidos isoladamente ou em conjunto como um romance.

 A cada tema o desafio fica mais difícil e em alguns eu até pensei em desistir. Para se ter uma idéia, foi no último conto escrito que descobri o nome dela: Penélope.  Meus outros dois romances inéditos também foram escritos assim, sem que eu soubesse, no capítulo que estava escrevendo, o que iria acontecer no próximo: O Cão Amarelo e o Clube do Cravo Vermelho. A mesma regra foi seguida no romance que escrevi com o Bernard Gontier – (O Circulo Finito): o meu capitulo dependia do capítulo do Bernard e o dele do meu, embora eu tenha quase certeza de que ele tinha uma idéia. Eu não.

 Mais uma vez eu escrevo um texto a semelhança do jogo da amarelinha, porque cada parágrafo toma um rumo inesperado e eu nunca sei onde vou parar, se no céu ou no inferno.

 

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