Poliglotas

Meu nome é Aguêda. Meu pai me botou esse nome por causa da cidade lá de Portugal que é prima irmã daqui de Rio Grande. Carta de crédito mesmo não tenho não. Mas trabalhei com um casal de ingleses que me ensinaram a dizer “bituim”, “sitidáum”e “raináu” e outras palavras. Eles diziam: “Brim de queque, rainau” e eu ia e trazia o bolo de chocolate que eu tinha feito. Receita da minha avó. Eles pediam prá eu dar a receita, mas eu não contava. Eles pediam a “recipí”. Eu enrolava e dizia que a semana que vem eu trazia e nunca dei. Já chega o que os gringos levam daqui. Agora tão levando as ervas da Amazônia, depois fazem chá e vendem de volta prá nós. Eu hein!? Daqui a pouco tô eu lá comendo bolo da minha avó e pagando em dólar! Rá, rá rá... Aprendi várias coisas com esse casal. Eles me ensinaram a dirigir. Tenho carteira de motorista. Eles diziam: “ Brim de car, uí gou tu de super” e eu buscava o automóvel para levar eles no super. Eles eram um casal muito bom. Me davam roupas que eles não usavam mais. Até sapato de madame eu já usei. Importado. Que chique, não é?! Eles já morreram lá na Inglaterra. Ele teve um pasmo. Ela não sei. Vieram prá cá por causa da Suifiti. O homem trabalhava nesse negócio de entupir lingüiça. As vez eu tinha que comer uns rins fedorentos que eles gostavam de fazer. Faziam torta e chamavam de pudim de quidini: “quidini pudim”. Eles invertem tudo, tão gozado! Assim que aprendi a falar inglês. Uma prima minha trabalhou com uns franceses, que vieram dar aula na Universidade. Diz ela que fediam a rato, não tomavam banho nunca, só usavam perfume importado no suvaco. Não, porque eu moro no BGV, sou pobre mas sou limpa. Eles ficavam falando francês, chamando mulher de madame e fediam que era uma desgraceira. Bah! Foram mandado embora por causa de que deram um desfalque, ficaram com uns dinheiros que não era deles. Nem gosto de falar de ninguém, mas tem gente trapaceira no mundo não é mesmo? Ahhhaoun! Minha prima é que aprendeu a dizer umas palavras em francês e me ensinou. “Mercibocú”. “Napá de coá”. E as cores: o “lamarrie”, que é o amarelo, o “ruge”, que é o vermelho, por isso que o ruge é ruge e o “bluche”, que é o branco. Tão gozado falar francês. Eles carregam tudo nos erre, parece que vão guspir na gente. Essas prostiputa do Porto é que aprendem muitas linguas. É alemão. É japonês. É inglês. É francês. Acabam tudo sendo poliglotas, que é como se chama as mulheres do Porto que ficam com os estrangeiros. Dijaoje - não, não, foi tresontonte - eu encontrei uma numa loja, que eu sei que é prostiputa, e ela tava falando com um cara que dizia umas palavras engraçadas. Eu só guardei “topalicari”, que eu não entendi o que quer dizer. O homem da loja me disse que ele era grego, depois que eles saíram, porque eu não sou de xeretar a vida dos outros. Deus me livre guarde. Acho gozado é trabalhar prá português. Eles vem prá cá por causa do Supermercado. Mas só querem comer bacalhau com batata. E botam uma lata de azeite por cima. Azeite do galo. Enchem de cebola. Eles ficam fedendo a cebola o dia todo. Meu nariz é fogo. Gozado é que eles chamam as crianças deles de “putos”, com perdão da má palavra. Coitadinhos... Mas com português é fácil de falar. Eu nem conto nas linguas que aprendi. Eles dizem “comboio” e é trem. Eles chamam as mulheres de “cachopa”. Tão gozado. Depois disso já trabalhei em diversas casas, mas nenhuma tão boa como a dos ingleses. Lá eu podia comer de tudo, até tomar o escoti deles, que é como eles chamavam o uisque. Até botei o nome do meu filho de Tiarles Darvi, que era o nome do escritor preferido do patrão. Em homenagem. Numa casa que trabalhei a mulher trancava a geladeira com cadeado pra mim não comer as coisas dela. Dá prá acreditar? Tem gente ruim no mundo. Essa não se dá conta que morre e vira comida de bicho. Ruim, ruim, ruim... Inda vai depois prá missa rezar. Deve ser prá pedir perdão das maldades que faz. E os guris delas eram muito malcriados. Ela nem dava bola muito prá eles e eles faziam miséria, o que queriam, e ela nem aí. Subiam nas cadeiras. Pulavam no sofá e atiravam a comida quando não gostavam. Também, sem pai... Ela era separada do marido. Mas era amigada com um mecânico duma oficina. Ela dizia que ia levar o carro prá arrumar. Eu dizia prá ela: deixa que eu levo que eu tenho carteira. Ela dizia: no meu carro ninguém toca, eu mesmo levo. Sei, ó: esse é irmão desse.

Para Francenildo, o caseiro que tudo via.

Obrigado Alemão pelo "dijaoje".