FLOR DO CAMPO MURCHOU
Toda uma imundice que mal disfarçava o odor de prevaricações desmedidas dava boas vindas a corpos sedentos. Meia dúzia de cortinas vermelhas tampava parcialmente um ambiente libidinoso freqüentado por lascivas figuras. Chão vermelho escovão batido. Quatro mesas, caneca posta que só conhece pinga bebida. E quando a noite serenou não é de santa luz divina, mas é pequena, ínfima, luz fina e rubra que convidava o transeunte mal intencionado a entrar. E o lugar se mantinha pro sustento de suposta real necessidade. Pois pra macho isso é coisa de lei. Chuva vorás em corpo de fêmea úmida. Pois não é fêmea alheia. É mulher da vida entregue a quem paga bem. E eles vêm; vem chegando que o caso esta armado, espada vertiginosa e o estabelecimento ta recebendo gente pra molhar a cama. Mas cuidado! Pisa miudinho que a dama é nova.
Havia um conjunto ali a cantar meio carimbó e forró. Para distrai momento fugaz: uma sanfona, maraca, pandeiro e triângulo. Que davam o tempo da dança das moças faceiras e velhos trigueiros que juntos faziam tremer o chão. Trocavam se olhares e combinavam se molejos em meio à fumaça espessa de pitos de matutas figuras a fim de descarregar pesadas lidas em fêmeas nuas.
Flor do campo era mulher de presença e por isso requisitada entre os machos da estação. Quando na janela o povo gostava de ver e que nem gavião se punham a voar para a avezinha pegar. Sabe-se que começou cedo; menina enganada por rapaz malandro que toda flor despetalou; perdida pros seus; aborto forjado e por fim aceita na casa de damas. Só a mãe sofria com tudo, mais se calava diante de macho marido. Quando menina e passava pela rua das desvirtuadas sua mãe bem lhe dizia que elas nessa vida; iam amargar.
Homem rico um dia lhe chegou e disse _ Eu te quero sustentar. Mas essa flor só nascia no campo e no campo haveria de ficar. Já foi lá muito moço que disse a flor do campo __ Se eu pedir você me dá seu coração? Mas a pretexto o coração de flor pertencia ao passado que o vento sepultou com filho morto naquele chão.
Tanto fizeram por tanta beleza que a flor do campo um homem de lá tirou. Enamorados casaram e tudo. Constituiu lar, móveis bonitos, belo jardim. Vida de mulher certa, mas flor do campo ainda se punha a pensar... Que lhe faltava em derradeira vida? Não seria essa a oportunidade perdida, batendo lhe a porta em tempo inútil? Tempo de trégua a incansáveis desventuras! E a maternidade chegou, calando devaneios e amenizou angustias de todo uma existência, ao menos nos ininterruptos nove meses.
Não uma menina e nem um menino, mas um casal! Que mulher em seus sonhos mais maternos não sonhou um dia com tal feito; ter de uma única vez dois infantes no leito. Que felicidade conduzir pela vida de mãos dadas duas crianças. E o esposo? Não se continha de tanta alegria, estampava-a sem receio. __Devo a Deus tudo o que tenho mulher bela e filhos lindos. Cumpriu regiamente suas obrigações maternais. Amamentou, limpou, mas pouco amou e após oito anos se foi.
Os olhos de Flor não eram mais os mesmos. Eram de um distanciamento frio e permanente, de quem via a vida como quem espera o dia do desfecho final. Buscava no dia-a-dia suportar os encargos das horas qual relógio que trabalha ate cessar lhe a pilha. Algo a puxara novamente para aquela antiga vida. Ela gostava da vida que antes levara. Que auto punição lhe impusera? E por que lhe aprazia conduzir a vida em libidinosos gestos? O certo é que ela se foi.
De volta à lida a vida de Flor do campo nunca serenou. Quase sempre maltratada por homens de todo o tipo, desde caminhoneiros, maridos mal servidos a estudantes desmedidos. Já ganhou safanões, lapadas e até fraturas. E nessas horas desfeita em sangue lavava à tardinha com as próprias lágrimas turvas as roupas avermelhadas. Mas mantinha sempre a preocupação de mais tarde voltar à lida.
Ali ficou e foi deixada a sorte de severas rameiras. O importante sempre foi o lucro. Ta com febre? Vai trabalhar! Ta menstruada? Vai trabalhar! Ta triste? Vai trabalhar vagabunda! Enfim, vai trabalhar.
A prevenção contra doenças e gravidez não existia e por isso Flor estava exposta a essas opções tão cruéis. Felizmente a vida, nesse momento, lhe ofereceu só a segunda opção. A vida de grávida em lugar tão incomum não é nada feliz. Mas há os que têm apreço por grávidas e lactantes, do contrário a sarjeta restar-lhe-ia. A cegonha lhe visitou mais duas vezes e já são quatro crianças no clã da impura. Crianças essas doadas a famílias desconhecidas. Provavelmente nunca mais veriam a genitora e sequer os irmãos de sangue. Estariam melhores longe de flor.
Mas como todo mal é sorrateiro e a faca que apunha-la não se avisa, a traiçoeira doença já havia se instalado nas pétalas de flor do campo. Tal como verme inútil flor do campo proliferou em camas sujas o pólen de noites escuras. Em momentos extremos se encaminhava a cidade amparada pela piedade de antiga sogra e conhecidos. Inúmeras vezes fizeram essa viagem, mas sempre retornava fraca com a desculpa de doenças da idade.
A doença secou a flor. Em uma dessas vindas a cidade a tratamento o caule mal sustentava as pétalas e flor do campo se dobrou. Fria e sem verde sobre lençóis brancos. E nenhuma lagrima por quem partia. Os que a acompanhavam cumpriam a obrigação cristã. E o translado se fez por meio de pedido a prefeito da cidadezinha. O enterro ficou a cargo de amiga de lida cuja sorte foi diferente. E ao passar a ambulância precária, com talo morto, perto do conhecido antro ela lá parou. O motor parecia perceber a necessidade da morta de ali ficar, mas idéia essa logo negada pela a dona do bordel que dizia aos gritos: __ Leve esse trem daqui, vai espantar a freguesia.
No velório pouco choro; pouca vela; muito silencio. Teria sido o terreno que brotou flor do campo? Não era solo fértil? Preferiu a companhia das pedras. Não há mais festa... Morre flor ou erva daninha? Bordéis façam silencio nos pandeiros por que Flor do campo já murchou. Que fazem vocês dessas flores? E todo tempo serenou pra ser possível ouvir: __ Adeus meus machos que eu já vou-me arretirá, flor do campo vai se embora brotar em outro lugar.