O NASCER E O POR DO SOL
Dos fenômenos da Natureza, dois existem que estão entre os mais belos: o nascer e o pôr do Sol. Ao seu nascimento também chamamos amanhecer, alvorada, arrebol, aurora; à hora em que se põe, é poente, ocaso ou crepúsculo. Nesta idade, já teria contemplado mais de trinta mil alvoradas e crepúsculos, mas, nem sempre madruguei e, quanto aos crepúsculos, os horários de trabalho não me permitiam vê-los; apenas em raras oportunidades.
Não importa que me considerem repetitivo quando digo, e torno a fazer agora, que herdei de meus pais, além dos bons exemplos de vida, essa carga emotiva que até parece mórbida e cuja manifestação sinto desde criança. Sempre fui assim, um sentimental talvez exagerado, inclusive um admirador, um amante das “coisas de Deus”, como dizia nosso amigo Vicente Canuto, marceneiro e virtuose do violino. E, à medida em que o tempo passa, vai-se acentuando em mim esta marca que julgo peculiar.
Já disse alhures, talvez repetidas vezes, que sempre admirei e gostei da Natureza. Enquanto não conhecia o mar, amava o sinuoso rio da minha terra, na sua correnteza, nas cheias, ou em sua placidez esverdeada e triste; o vento da tarde, sobretudo aquele que elevava minhas pipas e me crestava o rosto; ou a brisa suave da noite. Gosto das chuvas e relembro as de Mossoró, principalmente aquelas que, vindas do Nascente e precedidas de escuras nuvens pesadas, cor de chumbo, caiam fortes à tarde, e, de lá, demandavam os municípios do sertão, neles derramando suas águas benfazejas. E, depois, deixavam sobre a cidade um manto de nuvens amenas, pinga-pingando, serenando durante toda a noite. Como eu achava bom!... Embora tivesse medo dos coriscos, medo incutido pelo pavor que minha mãe sentia, achava bonitos os trovões, mesmo os “brabos”, que saiam cavalgando sobre as nuvens que demandavam os sertões, e que eu julgava ser a voz de Deus tangendo-as.
Nunca fui um madrugador como, em geral, são os boêmios, que estiram as noites até o nascer do sol, mas, aqui e ali, impaciente com a insônia que sempre me acompanhou, levantava bem cedo e sentava-me no batente do portão, de onde avistava todo o imenso descampado que, então, circundava a velha Cadeia Pública. Dali, podia ver o vermelhão anunciando o nascimento do Sol, que logo surgia, devagar, como uma imensa bola de fogo, diminuindo de tamanho à medida que, com o giro da Terra, dava a ilusória ideia de que ganhava altura.
Bela e até comovente a alegria com que era saudado pelos pássaros e pelo canto dos galos. Até as árvores davam a impressão de que despertavam felizes, sua folhagem ganhando um verde mais vivo, reverberando à sua luz. No chão da rua, que ainda não era calçada, as flores silvestres e singelas, sem perfume mas de variadas cores, se abriam como sorrindo à luminosidade de um novo dia.
Os anos passam. Aos quinze, pude conhecer o mar, que me impressionou pela sua imensidão. Mas só depois dos vinte tive oportunidade de contemplar o nascimento do Sol emergindo do seu leito, parecendo surgir do seio do oceano, a mesma grande bola de fogo incendiando as ondas, espetáculo que, depois, já casado e nos períodos de férias em Tibau, pude desfrutar centenas de vezes.
Hoje, mesmo quando estou na casa da praia, em Búzios, ainda que madrugue, não vejo mais o nascimento do sol; mesmo situando-se o apartamento onde moro no oitavo pavimento do edifício, outros mais altos se erguem em frente e só posso ver o Sol lá pelas oito horas.
Quanto ao pôr do Sol, quase poderia dizer a mesma coisa. Do portão de trás da nossa casa, via-o, parecendo uma gigantesca esfera espalhando raios vermelhos pelo firmamento, descendo, preguiçosamente, entre nuvens escarlates, de bordas douradas, até um ponto em que, tão rápido desaparecia que minha sensação era de ter caído em algum abismo. Era a hora do lusco-fusco, intermediária entre o dia e a noite, que daí a pouco vinha, penumbrante no início, para escurecer depois, com seus segredos e mistérios. Também nessa hora, os pássaros se alvoroçavam e, em gorjeios, os casais buscavam seus ninhos – como ainda o fazem. E todos os galos, em coro nostálgico, entoavam seu canto de despedida.
Contam-se vinte e quatro horas do nascer ao pôr do sol, tempo que se repete há milhões, sei lá, talvez bilhões de anos. Essa regularidade é observada em vários outros eventos da Natureza: nos movimentos da Terra, nas fases da Lua, nas marés, na sucessão das estações, na longa trajetória dos cometas e noutros fenômenos.
Se é sublime a visão da aurora, até por sua jubilosa significação, é esplendorosa a paisagem do pôr do Sol. Mesmo que, para compensar o desalento das noites, Deus nos mostre um céu povoado de estrelas incandescentes e, a cada período de trinta dias, brinde os namorados, os poetas e os boêmios com uma deslumbrante Lua Cheia, que derrama sua luz branca e suave sobre o teto das casas, ricas ou pobres; sobre ruas e praças, sobre os rios, as várzeas e as matas; sobre os desertos e os mares - nada para mim é comparável aos espetáculos soberbos da aurora e do crepúsculo, que têm até inspirado escritores, poetas e artistas de todo o mundo, em todos os tempos..
Que suprema maravilha encerra a Natureza! Ela se estruturou por si mesma, ao longo de bilhões de anos, chegando a esta impressionante perfeição, ou Alguém fez tudo em apenas os fabulosos “sete dias”?