O Gênero dos Meses
Sempre achei formidável a forma como os poetas costumam dizer as coisas. Estes artistas alcançam incrível sensibilidade nas palavras e nos permitem perceber aspectos antes não imaginados. Quando isto acontece, vem sempre aquela pergunta no íntimo, repleta de admiração: como não pensei nisto antes? ou mesmo: queria ter dito isto.
Um certo dia, esperando o ônibus para o trabalho, sentou-se ao meu lado um poeta amigo meu. Dentre os muitos assuntos que tocou, no pouco tempo em que passamos juntos, fiquei vislumbrado com o seu discurso sobre os dois semestres do ano. Na verdade, foi uma verdadeira apologia aos meses em que o nosso tempo se divide.
O poeta falou que não há nada mais feminino do que os seis primeiros meses do ano. A feminilidade destes meses recende na alma e deixa transparecer todo o romantismo que lhes é inerente. E pronunciava o nome de cada mês, numa tentativa de convencer-me: Janeiro, fevereiro, março... perceba o quanto soam pacíficos! Aguce a sensibilidade auditiva e note como estes meses sussurram aos ouvidos. Até mesmo abril soa leve, apesar do som forte das consoantes br . Maio... neste ele arrastava, num sussurro baixo e prolongado! Este é um suspiro!
E o poeta continuava a eloqüência. E se atentarmos para a sua significação: mês das noivas... de Maria... das Mães! É a poesia feminina no auge. Enfim, junho. O ápice romântico. Os namorados... o encontro...
Quando se passa para o segundo semestre, chega-se à virilidade dos meses. Estas eram palavras do poeta. Julho já vem com força. E Agosto...?! Percebam a fortaleza deste mês. É forte... é sinistro. Distancia-se profundamente da poesia dos meses anteriores. E depois a seqüência: setemBRO, outuBRO, novemBRO, dezemBRO. Veja, meu garoto, como as consoantes soam grosseiras aos ouvidos. O poeta pronunciava com força, e as sílabas finais ressoavam como uma percussão desenfreada.
Meu amigo poeta perguntou-me se não concordava. Eu não pude negar-lhe o meu fascínio. Sim, eu me encontrava fascinado com a análise sobre aspectos, que até então, não parara para refletir.
O poeta piscou-me um olho e me fez um gesto de ‘legal’ com os dedos da mão esquerda, pegou sua caderneta de anotações, colocou sua boina quadriculada na cabeça e prosseguiu a caminhada. E me deixou com as divagações sobre os meses do ano. Feminino / masculino... há mesmo mudança de gênero entre os semestres? Após a conversa com o poeta, fiquei convencido que sim. Principalmente quando o mesmo contrastou o ‘sussurro’ de maio com o aspecto ‘grosseiro’ de outuBRO.
Coisas de poeta! Se algum dia eu alcançar esta virtude, se despertar em mim este talento, também sairei fazendo as minhas eloqüências por aí, com meu caderninho de anotações nas mãos e minha boina quadriculada na cabeça.