Perdi o sono.
CARLOS SENA
Hoje perdi o sono. Procurei sob a cama, mas não achei. Procurei do meu lado, mas o segundo travesseiro, vazio, silenciava como a me dizer que “quem cala consente”. Sono que se perde não é sono, imaginei. Mas não me convencendo com a noite longa que ainda se descortinava, começo a colar passados – ontens existenciais que a gente pensa que esqueceu, mas nos fazem bem recordá-los. Nada de extraordinário, pois a vida não se faz na excentricidade das coisas e acontecimentos que nos acompanham. A vida, em si mesma e por si, acontece na simplicidade de um café com pão. De um passeio pelo parque. De um cafuné um dia ofertado no silêncio magro de dois seres cansados. De uma música incidental específica que só dois puderam curtir. De um perfume leve que por vezes marcou como se fosse um “sensor de presença”. De um piscar de olhos singular – desses que a gente sabe que tem em nós o endereço certo. De um gesto qualquer envolto em significados que marcou nossa vida em determinado lugar, sozinho ou com determinada pessoa.
Hoje perdi o sono. Na minha mesinha de cabeceira, um radinho de pilha AF e FM é meu companheiro inseparável. Mas mesmo ele não me consegue interromper a viagem que faço procurando sonhos. EMY. Sua morte nos enche os noticiários e mesmo minha noite fria fica ofuscada por ela. Nem EMY nem ENE. Minha noite é alfabética no discorrer das minhas carências e vivências que construí para meu deleite; meus sonhos foram todos alinhavados no grande cobertor de ilusões que me fazem feliz mesmo quando me parto em minha noite de sono.
Por isto, agora, quando a noite irrompe o dia, descortina-se no horizonte o mar aberto de Boa Viagem. Da janela do meu quarto, o pensamento adentra o mar e me leva talvez pra MADRI. Ah como eu queria construir uma história de amor por lá, mas não deu. Mas como cheguei perto, já me basta esta saudade no rol das coisas simples que qualquer noite mal dormida não se encabula de escutar, bem como nenhum papel em branco se incomoda de registrar. Neste relato, reluto comigo na dimensão do amor não tive, mas que nos sustenta pela expectativa de... Por isto duvido que tenha perdido o sono, mas me perdido nele por tudo e que, por nada, valeria não ter sonhado e construído meus ontens dentro do que me foi posto como alternativa ou não. Confesso que me estimula mais o que me é posto fora da normalidade e da ortodoxia das oportunidades. O amor, por exemplo. Não existe amor certinho, bonitinho, que seja só prazer. O amor é a véspera do sofrer e do separar, mas é assim que a vida funciona em sua plenitude. O sofrer e o separar do amor só são assim pelo que são de pleno em nós; pelo que são de engrandecedores no nosso processo de crescimento interior.
Hoje perdi o sono. Perdi-me lembrando de você. Você de Brasília, de Bom conselho, de Madri, de Recife (vocês), de Garanhuns, de São Paulo, do Rio de Janeiro... Você que um dia na estação do metro me sorriu, deu um adeus e foi embora – você nem se lembra, mas eu fiquei lhe acompanhando dentro do vagão até que veio uma curva, você se foi com o trem e eu fiquei com tua lembrança. Vejo, pois que não me perdi de mim nesse trajeto. No rádio de pilha que me faz companhia, Reginaldo Rossi canta uma canção de amor que tantos chamam de brega. Adoro. O amor é brega mesmo, pois se não fosse não seria eterno e, como transitório estaria fora do contexto, mas não está. O amor é isto que a gente por mais que queira não define e ele, por mais que queira ser esquecido a gente não permite.
Daqui a pouco são seis horas. Certo ou errado? Não sei ao certo. Mas na questão de tempo e valores “CERTO E ERRADO” são muito relativos. Basta ver que um relógio parado duas vezes por dia ele acerta. Como eu vou querer pra mim conceitos rigorosos de amor e de felicidade? Prefiro me perder no sono e me encontrar em cada pesadelo que a vida proporcionar por ela mesma...