O CUMPRIMENTO SALVADOR...

Nos anos 30 a Polônia possuía na periferia de sua capital, muitos redutos de judeus e de outras raças, o que acabou dando surgimento ao Gueto de Varsóvia durante a Segunda Guerra Mundial.

Na periferia morava um judeu ortodoxo, rabino, que todo sábado dirigia-se a pé para sua sinagoga relativamente próxima ao local onde morava. Como seguia à pé tinha que passar próximo a um campo cultivado onde via um rapaz, forte, sem camisa, dando duro no cabo da enxada.

Já era intenso o ódio contra os judeus por parte dos alemães, bem como certo desprezo por parte dos poloneses, mas ele ao passar pelo jovem parava e lhe dizia:

- Guten morgen, herr Müller ou Bom dia, senhor Müller.

Da primeira vez a reação do jovem foi de sair correndo atrás do rabino, mas este era ligeiro e logo se afastava. Mas, todas as vezes que por ali passava, cumprimentava o jovem.

Tanto repetiu que Müller desistiu de tentar apanhá-lo e chegou um dia que ele respondeu o cumprimento com os dentes meio cerrados. Fez isso de outras vezes e até que passou a sorrir respondendo.

Passaram-se os anos e eclodiu a Segunda Guerra e, um dia, no ano de 1.944, chegaram ao campo de Auchwitz os judeus procedentes do Gueto de Varsóvia, e no último vagão estava o rabino. Era quase um farrapo humano, o gueto havia sido quase destruído, e como havia epidemia de cólera e os cadáveres apodreciam nas ruas, os alemães iriam incendiar o gueto. Fora o último trem que partira com os sobreviventes para o campo de concentração.

Era época de Natal, o frio era intenso, uma temperatura de 20 graus abaixo de zero.

Depois que o trem parou começaram a descer os judeus se arrastando numa espécie de ricto macabro e, em fila, na penumbra da noite, se defrontavam com o comandante da temida SS. O homem tinha uma vareta de metal nas mãos e maquinalmente sem olhar direito aos pobres condenados, fazia um gesto com a vareta ora à esquerda, ora à direita. À esquerda iam para a câmara de gás, fornos crematório, para a direita aos trabalhos forçados; tanto velhos, quanto mulheres e crianças, naquele momento tinham seus destinos decididos por aquele alemão, comandante da SS, Himmler Müller.

O sujeito tinha um semblante de pedra, idade de 40 anos aproximadamente e o rabino salta do trem e se encaminha na direção do carrasco. Havia umas cinco pessoas na fila entre ele e o alemão, ele já orando, recitando os Salmos. Os que estavam à sua frente vão para a câmara de gás, ele se aproxima, levanta a cabeça e estremece. O monstro está com a vareta na mão. O rabino então tira o chapéu e diz em voz alta:

- Guten morgen, herr Müller!

Herr Müller o reconhece. O rabino sorri, o carrasco movimenta a mão, desta vez para a direita e o pobre judeu se salva.

Em 1946, em Nuremberg, os chefes estão sendo julgados, Himmler está entre eles.

Depois ele se suicida como é conhecida sua história. Mas, durante o julgamento o rabino é chamado para depor sobre Himmler.

Um dos promotores pergunta:

- Senhor rabino, não é este homem que selecionava as vítimas para a câmara de gás?

Ele apruma a visão.

- Guten morgen, herr Müller! Não. Não é este homem. O homem que mandava à morte era um ser que a filosofia nazista transformou num selvagem impiedoso. Herr Müller é um homem bom. Sucede que ele foi educado para odiar. Ele nunca teve oportunidade de ser amado nem de amar.

- Mas, senhor rabino, não era ele quem mandava à morte?

- Sim, era o modelo que colocaram dentro dele. Era a indumentária que ele vestiu pela doutrinação e a lavagem cerebral que lhe foram impostas pelo regime perverso. Não era ele, era o regime. Herr Müller era bom. A mim me salvou, somente porque eu o saudava todos os dias, como agora...

Então, pensaram que o rabino estava com problema senil e por isso intervinha a favor do alemão.

Bem, o resto, todo mundo sabe, Himmler foi condenado à morte por enforcamento, mas se suicidou...

O rabino, ao sair do tribunal, olha para ele e duas lágrimas correm de seus olhos. O rabino tenta sorrir e Himmler lhe diz:

- Muito obrigado. Muito obrigado, rabino. Vielen dank!...

Resolvi narrar isto porque, dias atrás, assisti o desespero de uma mãe que teve seu filho preso, juntamente com outros três; os rapazes eram neo-nazistas que fortemente armados, com um arsenal de armas de todo tipo, de espadas, punhais, revolveres e muito mais, e com requintes de perversidade tentaram matar alguns moradores de rua em São Paulo e eu, vendo a dor estampada no rosto daquela pobre mulher, me lembrei desta história do rabino que fora narrada pelo tribuno baiano Divaldo Pereira Franco em uma de suas palestras que assisti e gravei.

A mãe do rapaz dizia:

- Não foi isso que tentei ensinar para ele... Quando se uniu a estes outros e foi dominado por essa doutrina neo-nazista, esse culto a Adolf Hitler, que até depois de morto continua influenciando, se tornou essa fera assassina que vejo...

É doloroso, entrementes, pensemos nisso...

PEDRO CAMPOS
Enviado por PEDRO CAMPOS em 20/07/2011
Reeditado em 05/09/2011
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