DOMINGO COM SAUDADES
POR CARLOS SENA
Hoje acordei com saudades de você. Não tinha mais nenhuma foto de quando, em vez de eu e tu éramos nós. Hoje uma nova pessoa se acorda comigo em minha cama. Na verdade a gente nem dormiu, porque a noite regada a beijos e afetos parece eterna em sua transitoriedade. Hoje eu acordei com saudades de você, mas uma saudade diferente de outros tempos em que tua lembrnça entrava pelos sete buracos da minha cabeça se fazendo absoluta. Minha saudade hoje é relativa. Foi nutrida pela presença, não sei se permanente ou se passageira, de uma nova figura que fez da minha cama uma revista de moda; fez da minha cama um folhetim de romance à moda antiga; fez do meu ouvido um microfone espalhando pelo meu corpo a oralidade que rompe a solidão. Minha saudade é igualzinha àquela que a gente sente quando se muda de uma cidade pra outra, mas que, tão logo conheçamos novas ruas, novas avenidas, novas pessoas, começamos a deixar a saudade ir pro limbo.
Hoje acordei com saudades de você. Porque perto estava uma pessoa singular que contrariava o teu ser plurar eivado de tantas vaidades tolas. Minha saudade é igual a saudade do cheiro de terra molhada dos meus tempos de criança. Por pouco me dá banzo, mas de ti não me vem senão a compreensão de que tudo passa, inclusive o passado.
Hoje acordei com saudades de você. No referencial da vida por si mesma e por tudo que nos move de belo e sensivel pela magia do novo encontro. Encontro de domingo não é o mesmo que de uma segunda-feira. Da mesma forma que ninguém pode substituir outrem nos processos de amorização sentimental.
Hoje eu quero solfejar a canção do encontro por nada. Nenhum encontro terá encantos se não for por nada, ou seja, por si só enquanto encontro. Do encanto, salva-se a natureza atemporal do minuto que faz e se dezfaz em anos, em décadas, em séculos.
Aposto no amor. Aposto no rubor da face, nas mãos dadas, no afago da boca por entre os dedos. Tenho medo do degredo da solidão. Tenho apego ao eterno enquanto transitório, pois quem somos nós pra querermos amores eternos na vida quando esta é permanentemente PASSAGEIRA?