Ruptura

Ruptura

Ele se levantou lentamente, com um esforço Hercúleo venceu o ímã que lhe puxava para a cama.

Ela fitou-o com uma expressão indefinida, algo entre o conformismo e a saudade que já se anunciava inevitável.

Ele pegou a roupa no chão, sua camisa estava embolada com a vestido dela como se não quisesse se desprender, caladas testemunhas de um ato final de Amor.

Ela tentou conter as lágrimas, mas uma , apenas uma, furtiva, percorreu seu rosto retirando os últimos traços de maquiagem numa trilha de dor.

Ele não quis olhar para trás, a decisão mútua era tão tênue que qualquer simples gesto de reconsideração a romperia totalmente.

Ela abriu a boca e esboçou palavras que se calaram na garganta, talvez nada mais mesmo devesse ser dito.

Ele queria ostentar uma convicção que não tinha, uma certeza quimérica, uma altivez absolutamente ilusória.

Ela envolta em ondas de lençóis ainda com perfume de desejo saciado, tentava inutilmente esconder com os travesseiros um vazio que não voltará a ser preenchido.

Ele abriu a porta, saiu , mas não a fechou, resolveu deixá-la entreaberta numa alegoria de retorno, uma metáfora do que verdadeiramente sentia.

Ela finalmente viu que a partida iria acontecer, até sua saída, ainda acreditava que aquilo não estava acontecendo, era apenas um pesadelo e iria acordar a qualquer instante.

Ele Quis sair antes que o ciúme o ferisse mortalmente, antes que os gritos substituíssem os sussurros, antes que a mágoa maculasse o Amor , quis mante-lo intocável e inatingível num pedestal, acima dos defeitos inevitáveis e humanos dos amantes.

Ela, passional e intensa, disse compartilhar do mesmo pensamento, mas só exteriormente, em seu peito, a semente da decepção já estava sendo regada por um coração choroso e começava a crescer ofuscando o carinho, a admiração e apagando o fogo sagrado do desejo.

Ele se afastou lentamente, em seu íntimo esperava que ela aparecesse gritando que o amava mais que tudo, que iriam superar todos os obstáculos e que ainda estava intacta a certeza de que nada nem ninguém poderia vencer esse Amor.

Seus passos começaram a ganhar espaço, a lua escondida entre as nuvens, parecia ter retirado todas as estrelas para não compactuar deste triste espetáculo.

Ela enfim venceu seu dilacerado orgulho, levantou-se e correu para a porta entreaberta, nada mais tinha a perder, tudo que sempre quis estava escorrendo pelas suas mãos como areia de uma praia deserta que ela jamais tornaria a ver.

Ele dobrou a esquina e se mesclou à multidão como águas de um rio deságuam em um mar e se perdem para nunca mais retornar.

Ela alcançou a rua, procurando-o com uma mistura ímpar de choro e riso temperada com esperança, mas não mais o viu. Sem saber se iria para um lado o outro, foi vencida pela inécia e caiu de joelhos numa silenciosa e vazia súplica aos deuses do Amor que já haviam os abandonado.

A chuva que há tempos ameaçava cair, veio forte, reflexo da dor presente no ar e apagou totalmente os rastros, inundou os caminhos e ilhou-os em Universos distintos e cada vez mais distantes.

A esperança voltou para o fundo da caixa e se recolheu fadada ao quase inevitável esquecimento.

No céu, uma estrela se apagou. Em algum lugar Eros balançou negativamente a cabeça e resolveu rever suas flechas.

O mundo perdeu algumas matizes e essa chuva não traria nenhum arco-íris, a tristeza demoraria muito para passar, se é que passaria ...

Leonardo Andrade