SOB O EDREDOM DE BRASILIA

POR CARLOS SENA


 

Da janela do meu quarto de hotel, descortina-se o Eixo Monumental – aquele que desemboca na Praça dos Três Poderes no Distrito Federal. Qual a moça feia que “debruçou na janela pra ver a banda passar”, eis-me aqui debruçado em lembranças do tempo que por aqui vivi. O olhar se perde na imensidão da noite fria, enquanto minha mente não mente me dizendo que minhas saudades se esconderam, provavelmente, nas marquises arquitetônicas de Niemayer. Olho pro céu – afinal o céu daqui é considerado o mais lindo do Brasil no que eu também concordo. Mas ele hoje está igualzinho aos demais, quero dizer, hoje não há estrelas como de costume. Talvez essas estrelas ausentes estejam fazendo companhia às minhas saudades que se esconderam alhures se misturando com o concreto armado...

Daqui, deste hotel que um dia foi glamoroso, Brasília se finda em mim sem nunca ter de fato começado. Não sinto nela o sonho dos homens! O sonho que muitos sonharam quando construíram Salvador, Recife, Olinda, Rio de Janeiro e tantas outras cidades surgidas dos sonhos coletivos. Brasília, não. Aqui foi o sonho de um homem que, sozinho, realizou seu sonho. Diferente de Deus que quando disse “faça-se a luz, a luz se fez”; “faça-se a vida e a vida se fez”!

O sonho de JK se reverteu contra ele. Como sabemos, foi impedido pela segurança de entrar no palácio do Planalto que um dia ocupou, na cidade que escolheu para governar, amar e, quem saberia (?), morrer. Aqui ele morreu a prestação. A granel. A conta gotas, podemos dizer. Quando do seu “acidente” automobilístico, sua morte foi só um detalhe porque ele já estava morto da pior das mortes fora a velhice: a morte em vida.

Pergunto-me: o que a morte de JK tem a ver com minha falta de saudades? Muita coisa se quiser ser filosófico. Nada, se quiser ser prático. Para este tear de ilusões noturnas à beira da janela de um quarto de hotel, ser prático se torna oportuno. Portanto, enlevo meu pensamento para compor uma ode a esta cidade que nunca pedi pra viver, mas vivi; que nunca pedi pra sonhar, mas não sonhei. Acho que Brasília não é para a poesia, da mesma forma que Recife não é para o cartesianismo daqui. Recife tem concreto e gente armadas, como negar? Lá tem sonhos, tem becos, tem malocas, tem caldinho, feijoada, tem farofa. Recife tem Olinda que tem Igarassu que tem Itamaracá e que tem Caruaru. Recife tem zabumba e maracatu, tem frevo e tem forró. Tem Luiz Gonzaga, Vitalino, Manuel Bandeira e tem Ariano. Tem Gilberto Freyre com cultura e formosura, mas aqui? Os Candangos que me digam. Certamente vivem da construção permanente dos seus sonhos, bem na lógica do JK? Duvido. Os Candangos incendiaram um índio dormindo nas ruas de Brasília e com isto o mundo se estarreceu em pesadelos. Mas não se pode dizer de todos que aqui residem, pois há exceções.

O vento frio que me invade o quarto me pede edredom. Dou ao vento frio o edredom, mas preferia dar minhas saudades. Por não tê-las, sei sabê-las, diferente de Drummond... “Não fiques tristes Brasília. Eu sei que tomaste banho de “Arruda” e quem não me ouve que não me acuda. Não me salve desse entrevero de declarar que não tenho por ti saudades”... Um dia, quando aqui morava,  um amor me flechou e eu me apaixonei. O beijo era bom, beijei. O amasso era bom, amassei. A cama era boa acamei. Mesmo esse amor não morava nem era daqui, então não guardei saudades – minha ultima esperança de salvar este texto antes de mergulhar no edredom.