DIA DOS NAMORADOS
Hoje, dia dos namorados, queria pegar o meu amor pelo braço. Vendar-lhe os olhos e levá-lo às cinco horas da manhã para o mar de Porto de Galinhas e dizer-lhe “É TEU”. Em seu ouvido baixinho queria lhe dizer que amo ao som das canções que o mar compõe em contato com a areia. Como mágico, levá-lo-ia ao Por de Sol do Jacaré em plena João Pessoa na Paraíba e, ouvindo o Bolero de Ravel, calmamente dançaríamos para todos verem, sem censura, nossa valsa de amor. Logo cedo, ao acordar, daria de presente ao meu amor, um solfejo da “Melodia Sentimental” de Vila Lobos: “Acorda, vem ver a lua, que dorme na noite escura”. À mesa, no café da manhã, pães recheados não com manteiga, mas com prosa poética – ornato da nossa mesa, prosaica testemunha dos beijos com sabor de café. Que mais daria ao meu amor neste dia? Diria pra ele a mais comum das poesias exatamente para não haver dúvidas nem outras interpretações: “De tudo, ao meu amor serei atento/ Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto/Que mesmo em face do maior encanto/ Dele se encante mais meu pensamento”...
Na vitrola, um som incidental na voz do Rei, pois “como é grande o meu amor por você, um café da manhã cheio de “Detalhes” nunca será por menos “Emoções”. “À distancia nunca quero ver seu vulto desaparecer”, para sempre poder confirmar que “não seja imortal, posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure”, com sua licença Vinicius de Moraes.
De braços dados ainda, levaria o meu amor pra o local onde nos demos ao primeiro beijo. De lá, quero descortinar o horizonte aos seus pés como que a dizer “TAMBÉM é teu” e, vislumbrando do décimo andar do nosso apartamento o mar de Boa Viagem, mandar além mar notícias nossas pro mundo, mesmo sem saber se do outro lado do mundo alguém se interessa por elas. Depois do almoço... Não, neste dia a gente não vai almoçar no formato convencional. Quero levar meu amor sem destino e fazer dele nosso manjar. Vamos deixar o carro em casa. Vamos de ônibus nos perder nas ruas estreitas do Recife antigo. Depois a gente ruma pra Olinda. Ficaremos no alto da Sé vendo o Recife entregue aos braços de Olinda sem ciúmes, mas casados sob as bênçãos do Atlântico tendo farol como turíbulo e nós com pajens desses mistérios que a vida ensina e só a arte encena. Quero comer tapioca e queijinho assado, subir e descer as ladeiras sem misericórdia...
Um barzinho, uma voz, um violão. Receita certa para o final de dia em companhia do amor... “Garçom, um lápis e papel, por favor,”. Peça ao cantor para entoar essa canção. De repente a música de Peninha invade: “tudo era apenas uma brincadeira e foi crescendo, crescendo, me absorvendo e de repente eu me vi assim completamente seu”... Nesse clima a gente se levanta e começa a dançar. Sem nos darmos conta, pouco a pouco as pessoas chegavam à janela e começavam a nos olhar. Um beijo ardente selou aquela tarde. Diante daquela cena inusitada, lembrei-me de Chico Buarque em VALSINHA no seu trecho mais bonito: “e ali dançaram tanta dança que a vizinhança toda despertou/ E foi tanta felicidade que toda cidade enfim se iluminou/ E foram tantos beijos loucos, tantos gritos roucos, como não se ouvia mais/ que o mundo compreendeu e o dia amanheceu em paz”.
Um raio de sol invade o quarto. Uma rádio FM dedicava programação inteira aos namorados, regada a Roberto Carlos. O locutor não se cansava de oferecer musicas para os CASAIS. Dei-me por conta de que eu acordara de um sonho lindo. De repente, pensei, não seria aquele sonho nossa proposta de presente do dia dos namorados? Foi o que aconteceu. Acordei meu amor e fomos pra mesa comer pão com prosa e beijo com gosto de café com leite.
POEMA DE ERNESTO CARDENAL
Traduzido por Paulo Sant’ana.
Tu e eu, ao perdermos
um ao outro,
ambos perdemos.
Eu, porque tu eras o que
eu mais amava,
tu, porque eu era quem
te amava mais.
Mas, entre nós dois,
tu perdes mais do que eu.
Porque eu poderei amar
a outras
como amei a ti.
Mas a ti nunca ninguém
jamais amará
como eu te amei.