Delírios Sociais
Cido é negro como milhares de outros que vive nesta terra Brasil, padece dia a dia do mal excludente chamado preconceito e mora em uma das também milhares de favelas constituída formalmente pela desigualdade social. Como não poderia ser diferente Cido que é diminutivo de Aparecido em homenagem a Nossa Senhora de Aparecida, vive de atividades informais e é semi-analfabeto. Precisa ser dito que a Santa não anda merecendo muito a honraria já que de todos os pedidos feitos nos últimos anos, o único atendido foi o de fazer com que a Seleção Brasileira perdesse para a Holanda na Copa, para o Coronel Dunga ir procurar sua turma. Ele tem espírito pacato e boa índole, não escolhe serviços desde que seja honesto. Todavia o moço está sendo ameaçado de morte, sua mãe voltou para o sertão com risco de passar fome e seu pai faleceu de Derrame Cerebral, descrito no atestado de óbito como AVC (Acidente Vascular Cerebral), ele não foge por que sabe que não deve nada a ninguém e seu coração está preso ao amor de Givanete. Um irmão ofereceu morada no interior de Pernambuco, mas a amada não quer deixar a família que a tem como filha única. Cido então prefere encarar a sina, uma sina imposta pelo preconceito, conforme relata, quem o ameaçou foi um traficante que manda na “boca” da favela onde mora, o motivo foi sua prisão numa madrugada em que saía para fazer uma capina, levava uma foice e uma sacola com água e comida. Por ser negro a Polícia suspeitou da sua atitude de andar rápido pára chegar no horário e o obrigou a confessar, apanhou de mão espalmada no rosto e levou coronhada de revolver na cabeça. Sem ter o que confessar foi detido por posse de arma branca tendo sua marmita e a garrafa d’agua jogados não se sabe onde. Cido foi liberado um dia depois, quando o Delegado resolveu aparecer e atestar que ele era inocente. Mas antes, uma Guarnição fizera uma varredura em sua casa, provocando a ira dos vendedores de droga que pensaram ser ele um ladrão. Ao regressar para o lar de feridas foi abordado por estes e obrigado a confessar que era ladrão, quando não conseguiram, uma nova sessão de tortura iniciou-se para que ele confessasse que era “X 9”. Não obtendo êxito decidiram vigia-lo sob forte armamento. Agora sozinho ali sem poder de sair para ganhar o pão, Cido começou ter alucinações e delirar às vezes sem dormir, escutando as palavras do pai falecido dizendo que o apocalipse estava chegando. Enxergou Givanete sendo violentada para que ele confessasse que informou alguma coisa aos policiais, noutra cena a namorada reaparece sendo executada por Policiais que queriam saber para quem ele vendia drogas. Cido foi ser preso em um Nosocômio, sob as algemas de pscicotrópicos, mas continuava delirando, sua fala que era mansa alterou-se e a visão outrora de um belo horizonte foi ofuscada por uma nuvem negra de negativismos e, a figura da morte passou a persegui-lo insistentemente, agora não mais em torturas verbais, tomou corpo e se arrasta moribunda nos corredores da unidade fria em que se encontra. Um médico o avaliando no seu surto contido no leito deu a seguinte informação ao grupo de acadêmicos que o acompanhava: “Transtorno Obsessivo-Compulsivo é considerado o quarto diagnóstico psiquiátrico mais frequente na população. A pessoa é dominada por pensamentos desagradáveis que podem possuir conteúdo sexual, trágico, entre outros que são difíceis de afastar de sua mente, parecem sem sentido e são aliviados temporariamente por determinados comportamentos”. Cido ainda tinha outra missão a cumprir, recebeu alta três meses depois e foi doendo de paixão procurar a namorada que infelizmente partira a poucos dias, quando a informaram que ele estava internado para livrar-se de delírios provocados pelo vicio das drogas.