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Hoje eu acordei com saudades. Diferente da canção de Chico Buarque “Tem dias que a gente se sente como quem partiu ou morreu”, eu estou vivo. Vivíssimo, diria. Talvez eu tenha acordado hoje “como quem partiu”. Como quem se foi de si mesmo – principalmente de algumas ilusões que a vida se encarrega de nos dar e nós nos encarregamos de mandá-las embora. A gente se pega sem querer, sentido saudades do que um dia fomos ou do que um dia nem chegamos a ser, por absoluta falta de sintonia entre os tempos. Ora a gente se encontra com as pessoas certas em tempos diferentes, ora em tempos certos, mas com as pessoas diferentes.

Na verdade, a gente sente saudades mesmo é de gente, de pessoas. Por isto hoje eu sinto que minhas saudades aguçadas se prendem ao que se perderam na lógica dos encontros um dia realizados; ou na pouca lógica dos desencontros por nós nunca desejados, mas acontecidos sob a batuta das acontecências. Talvez por isto eu conduza meu sentimento saudosista no viés de quem partiu – pela própria essência, pois um ADEUS geralmente deixa travo na alma de quem se vai ou no íntimo de quem fica e se esvai.

De muitos e muitas que se foram de mim, eu me fui delas. Não sei de mim o que nelas ficou de substância, pois o sentimento só me compete saber de mim. Sei, neste tear de “ontens e de hojes”, que a conjugação do tempo não se repete no futuro nem no passado. Talvez só me reste nesta colcha de retalhos que a minha saudade recupera, pequenos gestos, pequenos aconteceres que o tempo coloca no nosso HD e que, quando pensamos que estão deletados, eis que nos surpreendem.

Um saco de pipoca, uma tarde vendo TV, um passeio no parque, uma comidinha posta na boca, um perfume, uma música, um entardecer, uma carta relida, um livro cheio de rabiscos, uma peça de roupa surrada, um vidro de perfume vazio, uma caxeta de chicletes vazia, um nem sei que de coisa que mexem com a gente na hora que a saudade de alguém nos invade.

Hoje eu acordei com saudades. De alguém que um dia comigo dividimos o tempo, mas que hoje, sem rosto definido, sem fotos na lembrança objetiva, sem sentimento de fossa, nos arrebatam a memória e nos fragiliza. Frágeis, pela pouca disposição do idioma em traduzir sentimentos, preferimos nos dizer saudosos. Talvez pela certeza de que o tempo passou, sem ser passado... De que um diz seremos futuro, sem deixarmos de ser presentes nesses gestos de cotidiano fresco que a memória nunca ignora.

Hoje tomei café com pão. Lembrei das mesas fartas dos hotéis de luxo com tanta alternativa de degustação. Nem senti falta. Nada substitui, de manhã, um café com pão, de preferência molhando o pão no caneco do café. Saudade é um pouco disto e fim.