Lembra?

 
Lembra? Aquele dia em que tentei puxar conversa com você, que me olhou de olhar atravessado, rasgado como a noite, e me perguntou com rispidez no olhar “O que é?”, e engoliu um seco que lhe raspou a garganta, e como um gato maldito, arranhou sua traquéia, e sem nuance ou discórdia, virou-se para a tela do computador, e colou seus pensamentos em ondas virtuais...Lembra?
Aquele dia eu imaginei o Sol, e a praia, e as tardes sorrateiras no verão da juventude, e me lembrei de como era bom sentir o salgado do mar na pele nua, o arrepio que a gente sente quando a espuma gelada do mar encosta na derme e eriça o corpo...
Aquele dia eu senti a lua lá fora enluarando as bromélias do jardim, e imaginei borboletas e beija-flores por sobrevoar sobre elas, e provando seu néctar, e sentindo seu cheiro, e fluindo sua energia vital, como os libertinos fazem... Neste dia eu invejei a liberdade que eles desfrutam, e o desprendimento da vida ociosa, e murcha, e parasitária que eles tem...
Então eu me transmutei para uma paisagem mais bonita e desejável, um quadro mais belo, com nuances, e cores, e vida mais viva, com imagens mais definidas e tecnologia de cores e tintas emolduradas em um papel mental a qual somente eu poderia desfrutar...
Lembra?
Pois este quadro tornou-se realidade. Eu, como pintora da vida, me transmutei de corpo e alma para esta paisagem afrodisíaca, e não tenho a menor pretensão de abandona-la. Mudar-me daqui nem pensar... E voltar ao mundo acinzentado e de tons pastéis, com gelo e concreto ao qual você me proporcionava, no silencio e sem odor, ao timbre de batidas de teclado e vozes no silencio, não dá mais...
Estou de malas prontas, e com passagem só de ida.
Regozijo-me na vida, e aqui estou feliz! Daqui eu não quero sair nunca mais!
Adeus!
 
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Karina Aldrighis
Enviado por Karina Aldrighis em 02/06/2011
Reeditado em 21/08/2012
Código do texto: T3010494
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