MEU MUNDO CAIU
Foi num desses dias de verão com muita chuva: o teto de estuque da cozinha de minha casa despencou inteirinho igual grossa crosta de papel muito pesado, minado pelas águas que recebeu devido a um par de telhas quebradas. Lembro-me de como provocou imensa e profunda tristeza observar o estado caótico lastimável e a quantidade de cacos, pedras, água e barro espalhados pela cozinha.
Rapidamente mandei consertar o teto, não sem antes tratar de juntar eu mesmo todo aquele entulho depositando-o num grosso saco de plástico, que, devido à composição do material, resultou num recipiente molenga, frágil e extremamente pesado. Desde esse dia criei esse monstro: um imenso e desajeitado saco negro e brilhante decora um naco razoável de quintal e habita por cá há uns bons meses. Como o tempo passa e a gente não percebe... O tal monstrengo bizarro foi se criando matreiro porque, devido ao seu enorme peso, eu não conseguiria removê-lo sozinho. Temo que, mesmo com alguma ajuda, caso se tentasse suspendê-lo, o saco cederia à pressão gravitacional do próprio conteúdo, esgarçando e rasgando os seus fundilhos.
E não é que acabo de me dar conta de que por essa procrastinação me tornei refém daquele saco-mala-sem-alça?
Primeiro, porque ele se impõe majestoso, tal fora uma estátua recoberta de algum eminente político prestes a ser inaugurada num estranho comício a ser realizado nos recônditos da minha casa: realmente é impossível ignorá-lo. Segundo, que toda vez que vou ao quintal não consigo abstrair-me da imagem poética do quanto o pedaço de um céu particular pode tornar-se tão inconveniente quando desgarra de seu elemento natural - o ar - e aterrissa sem asas, sem leveza, estabanado, ao solo.
Não bastasse esse final, ainda tem mais. Que agora ao escrever o texto também não me sai da cachola o trecho trágico que inaugura a letra de uma outrora famosa e triste canção. Era assim: “meu mundo caiu e me fez ficar assim” - há muito, já pranteava com rara afinação sobre os inusitados tombos do céu a nossa maravilhosa e sentimental Maysa.