Crônica do Amor Total
"Caso queira, leia este texto inexpressivo numa hora de menos tarefa mental. Ou melhor, leia-o quando estiver você fervilhando: de amor, prudência ou cólera. Tanto faz. Fará você outra situação"
Já fui amor demais, e também não! Tentei sonhar demais: nunca mais. Pensou assim por mim: ai de ti...?
Percebeu a terceira pessoa nas segundas intenções? Fraseado, amizade, fraseado. O povo inventa a palavra, o livro a exorciza e condena, mas o fraseado permite de tudo! Sabe tu, né amizade?
– E aí, chegou a encomenda, chegado? – não, chegado! – Mas já não deveria ter chegado, chegado? – espera que darei um chego ali pra ver se a encomenda já chegou, chegado – Obrigado, mas se não chegou, arre em? Arre mesmo, chegado, porque só venho aqui porque é você o meu chegado, mas por aqui nada chega! – calma, chegado, já volto, verei se pela outra portaria chegou ou há aviso de quando chega – Beleza! – pronto! E aí, chegou? – a sua encomenda chega apenas na terça – Terça? Hoje é sexta, chegado! Assim você me mata! Chega aqui... Ó... Estou farto disso, e não quero mais ser cliente... Chega! Por uma vez de todas, chega! Cancele os meus pedidos aí! Já! Chega! – desculpe, chegado, nada eu posso fazer, a não ser aquilo que sempre fazemos: entregar a você o que for de seu desejo, sem custo nenhum... como todas as outras encomendas suas, que jamais atrasaram e nada custaram... – Olha, chegado, é o seguinte... Chega! Minha paciência só dura até terça... Afinal, somos chegados, e isso vale mais do que tudo... Nada chega aos pés de uma amizade verdadeira...
Sacou a chegança? Por uma vez de todas, eu não digo mais! Sacou tu, amizade? Quanto amor há nisso tudo?
Menos no amor do seu desejo que veio debruçado na certeza de que leria uma declaração daquelas cheias de lugar comum, diga-se...?
Ou diga-te, se quiseres tu! Diga-te do teu amor pelas palavras e da mesma incapacidade que trago eu em não conseguir além de postar aquilo que raríssimos lerão, e – óbvio! – farão de conta!
Mas já pensou, amor de todos os dias, aquele que não passa, já pensou, amor dos nossos tempos, pudermos avisar em tom qualquer o que nos é de vontade ser anunciado?
– Eu?
– Sim, você!
– Já ouviu você alguém se declarar?
– A quem?
– Pode ser para você, para você mesma, pessoa.
– Vi não...
– E nem ouviu?
– Também não!
– Há menos amor em você por conta disso?
– E por que haveria?
Também acho assim: amor é uma ocasião. Tão situação que nem deu para reparar no erro inaceitável que houve no diálogo acima.
Importou achar que era um diálogo, mas não: tratava-se de um triálogo. Era uma condenação moral! Tal qual aquela dos livros contra as palavras do dialeto da gente. Uma intromissão!
Já pensou no quanto chata seria a filosofia se a gente não pudesse expressá-la? E já pensou também no quanto chato seria se as filosofias ficassem os livros?
– O que significa uma página, senão a desconstrução do que o coração cria?
Achou você que eu não falaria de amor, certo? Acha você, também, que ao declarar a minha primeira pessoa em primeiríssima posição autoral deste texto, perco a necessidade neutra das narrativas, certo?
Fosse redação da Unicamp, na disputa por uma vaga nas engenharias das almas, certamente o eu perderia função. Mas não é um concurso para o Rio Branco, nem a vaga decisiva do ITA.
É apenas um texto que fala de amor.
Sabe você, que ao terminar o primeiro livro, veio uma necessidade puxadíssima de iniciar o segundo? Não confunda: refiro-me à leitura. Érico Veríssimo que ensinou isso tudo, daí vieram outros e outras, e aqueles nem tanto assim.
A isso se chamou paixão: engraçado que exaltar a um livro e desqualificar o papel das páginas soa tão estranho quanto falar de amor sem fazer declaração.
Depende da ocasião.
Releia este texto inexpressivo numa hora de menos tarefa mental. Ou melhor, releia-o quando estiver você fervilhando: de amor, prudência ou cólera. Tanto faz. Fará você outra situação.
Daí se chamará amor.
Mas, faça-o!