Metamorfose Humana

Foi sepultado um negro pobre e homossexual morador de um morro carioca em constante conflito entre traficantes e policiais. Ele foi o cara que criou o seu próprio poder de metamorfosear. Feito os animais que se transformam na natureza em busca de refúgio para a sobrevivência. Marcos Aurélio era o seu nome de pia, como na morte Severina era filho de Maria. Mas vestiu-se de lacraia e fez com que suas pernas se movessem nos palcos do Brasil, e ensinasse aos olhos do preconceito que não queria ser julgado pela cor, pela condição financeira ou pela preferência sexual. Como o lendário discurso de Luther king Lacraia conseguiu ser visto como o cara mediador das atrocidades da vida, e, transformar os percalços naturais desta miséria que oxida grande parte da população em exemplos positivos da superação nesses meios. Lacraia entrou nas casas de lona, subiu nas lajes dos morros e favelas e ganhou o direito de ser ouvido pela elite, as criticas que antes via "a eguinha pocotó” como um subproduto da falta de criatividade, começaram a se render quando a boca do povo cantou e dançou com o frenético refrão "vai Lacraia, vai lacraia". O bordão popularizou-se de maneira a fazer parte de propagandas de vendas em lojas, anúncios de festas e um grande numero de outras atividades artísticas. A família na sua humildade exposta sob signos de uma cultura imposta, pediu ao Hospital que não divulgasse a causa mortis. Sabe-se que o hospital é referência em HIV e DST (Doenças Sexualmente Transmissíveis) e que ainda encontram-se atores da política social que associam a Aids a comportamentos de riscos, feito meados dos anos 80. Pouco importa! É uma lástima que a família do artista seja penalizada mais uma vez. Chorando a perda e obrigada a silenciar-se sob o perigo do preconceito. Lacraia passou pelos principais programas de audiência da Televisão Brasileira sempre com a mesma irreverência, porém morreu sem conseguir realizar o sonho de comprar um apartamento e dar um casa para a mãe, mesmo depois de ajudar o povo sofrido pela desigualdade do sistema, a sorrir em domingos que nem arroz tinha sobre a mesa. Não houve decreto de luto, nem se mostrou intensamente como um estadista milionário, todavia, a comunidade que idolatrava seu filho mais ilustre declara perda irreparável no seu quadro de astros, que não precisou usar as armas de longo alcance para atingir do lado do morro.

Adilson Cardoso