Ouvir, observar e emudecer.

E mais uma vez lá estava ele.

Corpo cansado de mais um meio período de um dia inteiro de trabalho, cabelo bagunçado pelas tantas vezes que se desequilibrou com o outro ser humano, voz rouca do esforço que sua profissão explora.

Lá estava ele... Ou será que não estava?

Naquela sala de reuniões com tantos outros de sua espécie ao som de um blábláblá idêntico a tantos outros, nada ouvia. Sentado, mudo e “semi-invisível”, nem tanto imóvel, o que mais prestava-lhe fazer era observar.

De repente (tão mais que de repente), aquela sala tornou-se no ínfimo do segundo do universo, o menor museu de arte moderna (ou não) do mundo. Poderia apreciar ali as diversas obras de arte capazes de diversas interpretações ou até mesmo os artigos de museus que sentiam-se imortais. E o interessante é, que nesse valioso tour, não era preciso muito esforço, apenas o girar das órbitas oculares.

De um lado, figuras surrealistas dignas de muitas interpretações. Encantavam-lhe perceber as diversas faces desses quadros. Faziam-lhe muitas vezes sorrir, mesmo que se por uma falta de um olhar mais profundo seriam capazes de comover. Estavam ali em seu meio social DaVincis, Goghs, Picassos, Mirós, Cezannes e Michelangelos. Como amava aquelas artes e a cada minuto que passava mais ainda tinha orgulho de conectar-se a essas divindades. Porém, um museu não faz-se completo sem artigos que por mais que fiquemos horas em observação, não conseguimos entender. Peças feitas de materiais exóticos e insanos capazes de causar àqueles que tanto olham um certo repúdio, ânsia ou até mesmo urticária. Mas como bom degustador cultural, serve-lhe guardar na memória mesmo que para aprender com as diversas obras de arte que ali naquele momento o cercam.

E de volta a realidade, cercado de tanta gente, ele sente-se sozinho. E o único compasso que sua mente abstrai é a dos rabiscos por ora inúteis na folha branca. Rabiscos esses, que aos olhos de muitos não iluminam. Mas aos olhos dele, significam a vontade de não ser, ou de simplesmente não estar.

Imediatamente seus ouvidos guiam seus olhos para a janela daquela sala. Carros, pessoas exaltadas, um mundo todo pulsando e acontecendo inalcançável ao blábláblá que o corrói. E ao fechar dos olhos, tenta imaginar o que acontece na extrassala. Consegue até mesmo sentir o sol queimando o rosto, o cheiro do almoço que o espera não importa quando.

Na obrigação de estar ali, o mundo gira sem seu consentimento. Sente-se um inútil cheio de utilidades. Tem vontade de correr mesmo que seja para ficar na fila do banco ou no trânsito caótico. Tudo menos estar na orquestra do blábláblá. Tanto a fazer fora dali, nada a fazer e apenas ali ficar.

Ouviu certa vez de um sábio escritor e só agora passa a entender que “nós seres humanos nunca seguimos a ordem natural das coisas. Devemos nos divertir primeiro, obrigação vem depois”. Pena que quem criou a palavra obrigação foi obrigado a se desculpar depois por criá-la.

Sentado ali, com rabiscos eternos e blábláblá contínuos, pensa na fobia de saber que hoje teve esses pensamentos e por mais que não queira terá os mesmos durante toda a semana.

Porque amanhã ainda será terça-feira.

SP 10/05/11
Renato de Paula Silva
Enviado por Renato de Paula Silva em 10/05/2011
Reeditado em 21/06/2011
Código do texto: T2961967
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