Rua Escura.
 
Na vida temos que atravessar algumas ruas escuras que nos dão calafrios. Elas estão por toda parte e aparecem de repente, sem aviso. E embora possamos classificar as ruas escuras como metáforas para as dificuldades da vida, uma das ruas escuras que precisei atravessar para chegar ao meu destino, foi uma rua escura mesmo. Estávamos em Rio das Ostras e era janeiro e Elis Regina tinha morrido. Estávamos à beira mar, em volta de uma mesa de bar. Resolvemos ir embora, não todas, um grupo pequeno e vulnerável. Em nosso caminho, cortando distância, uma rua escura. Decidimos ir por ela, aventurar. Poucas casas, luzes apagadas, casas de veraneio. Não havia lua, nem a noite estava estrelada. Mulheres, apenas mulheres. Foi quando eles apareceram, os motoqueiros. Quantos? Nem imagino, mas eram mais, muito mais do que nós.   O dobro, o triplo, não faria diferença se fosse um só. Mas não era. A princípio não demos importância, apenas nos afastamos para que passassem. Até que percebemos que eles não queriam apenas passar. A rua, de um lado casas, do outro um desbarrancado. Hoje imagino um desbarrancado imenso, vai ver, era uma coisinha de nada. Um ressalto qualquer. Mas o que eles queriam realmente eu não paguei para ver. Prensarem-nos contra as casas vazias, jogarem-nos pelo barranco abaixo? Sei lá. Em quantas portas batemos? Não dá para lembrar. Foram momentos do mais puro terror, até que um morador se condoeu de nosso desespero abrindo a porta para que entrássemos. Depois de bebermos água com açúcar e deixarmos passar um longo tempo, fomos para casa. Cheias de medo. Pavor. E certamente ninguém dormiu naquela noite, a não ser quando o dia amanheceu.