Cadê os sapatos da Cinderela?
Minha sobrinha tinha uns cinco ou seis anos. Os pais moravam em outra cidade e eu, as tias e os avós cuidávamos dela. Toda noite, antes de dormir, ela me pedia para contar a história da Cinderela.
Toda noite a mesma história.
Eu era breve, resumia ao máximo a história, mas sempre enfatizava os tais sapatinhos de cristal, porque, afinal, eram a peça mais importante do vestuário na história. Sem sapatos, sem casamento com o príncipe.
Toda noite a mesma história.
Toda noite a mesma história.
Toda noite a mesma história.
Toda noite a mesma história.
Toda noite a mesma história.
Toda noite a mesma história.
Toda noite a mesma história.
Toda noite a mesma história.
Toda noite a mesma história.
Toda noite a mesma história.
Toda noite a mesma história.
Toda noite a mesma história.
Se até você já achou que exagerei em repetir tanto a frase "Toda noite a mesma história" e já pulou pra essa parte, imagine eu.
Até que um dia eu, de saco cheio de "Toda a noite a mesma história", resolvi encrementar na cena e na idumentária:
A fada apareceu, estava toda brilhante, foi voando até o lugar onde a Cinderela estava. Cantou uma música, transformou um ratinho em um cavalo puro sangue, garboso (?), com um trote cadenciado. Outro rato foi mudado em um cocheiro todo elegante com uniforme de seda, botões de ouro, botas de couro lustrosas e porte de guarda da rainha Elizabeth. A abóbora virou uma carruagem do ano, modelo do ano seguinte, direção hidráulica, ar e vidro elétrico. Ela fez aparecer o vestido mais bonito na Cinderela, era azul, cheio de coisa que brilhava, a saia era esvoaçante. Pintou as unhas da Cindi, colocou jóias de ouro com diamantes, fez aparecer anéis, pulseiras, colar, brincos, luvas de seda javanesa, o cabelo ficou como se tivesse passado o dia no salão mais disputado pelas damas do reino. Apareceu uma bolsa dessas que a mulher gosta de levar pra festa, que tem uma alça de três metros, mas a bolsa mesmo é do tamanho de uma cebola, claro que cebola de ouro e prata, mas só cabe a chave da carruagem. Aí, no pulso da Cindi apareceu um relógio de ouro com mostrador de marfim, cravejado de brilhantes, e ajustado britanicamente, porque, afinal, à meia-noite ela teria que sair correndo. Por fim, apareceu um diadema espetacular, de ouro puro, cravejado de pedras preciosas de todo tipo, e a coroa foi flutuando até a cabeça da Cinderela, ajustou sem despentear um fio de cabelo. Cindi entrou na carruagem e foi pra festa.
Minha sobrinha olhou séria, intrigada:
- Descalça?