Sabedoria Materna
SABEDORIA MATERNA
Minha mãe era uma analfabeta sábia, mal sabia rabiscar o nome. Tinha uma memória privilegiada, dizia inúmeras frases de efeito moral e espiritual, o que me valeu uma razoável educação de berço. Era uma excelente contadora de histórias. Aprendera as mais belas histórias com o seu tio José Mota. Ficávamos horas e horas extasiados com os relatos dos personagens de suas histórias, o que ela teatralizava muito bem. Éramos uma escadinha de irmãos.
Suas histórias tinham bandidos e mocinhos, mas geralmente com desfechos de comportamentos morais e espirituais, onde valorizavam a coragem, a tolerância e a solidariedade. Ela sempre iniciava com o bordão dos contadores de histórias, “Era uma vez...”
Dentre muitas histórias, minha mãe contava uma que não esqueci detalhe por detalhe, mas como é longa, vou resumir com minhas palavras. Havia num vilarejo dois indivíduos polêmicos, um era muito corajoso, o outro um conhecido medroso. O corajoso era muito elogiado pela comunidade e o medroso intensamente achincalhado.
Para demarcar bem as diferenças notórias do corajoso e do medroso, propuseram uma prova: à meia noite irem um de cada vez até o cemitério e acender uma vela no maior túmulo daquele campo santo. O vilarejo era um lugar muito feio e obviamente o cemitério mais feio ainda. Era num alto de um morro, perto de uma frondosa gameleira e recheados de casos de aparições. O corajoso aceitou de pronto a tal prova e o medroso relutou em aceitar, mas acabou aceitando.
Chegou a noite fatídica. Primeiro foi o corajoso e em poucos minutos os moradores do vilarejo viram lá no alto daquele tenebroso morro a vela acesa no indicado túmulo do cemitério em questão. Chegou a vez do medroso, lá foi ele com a respiração ofegante, rompendo a escuridão com o coração saindo pela boca. Desfilava em seu pensamento histórias de aparições de almas penadas e até do príncipe das trevas. Uma simples folha de bananeira no caminho transformava-se em sua imaginação em um enorme caixão. A cada revoada de um curiango, quase desmaiava. Pensou em desistir e carimbar para sempre a pecha de medrosa. Também pensou como poderia depois encarar a esposa, os filhos e as chateações dos moradores. De repente encheu o peito de determinação e caminhou firme. Adentrou-se ao cemitério, foi ao túmulo indicado e a população, perplexa, viu a vela acesa rompendo aquele breu distante. Daquele dia em diante ninguém o chamou de medroso.
No final desta história minha mãe fazia a seguinte pergunta: “Quem foi o herói desta prova?” Nós, em nossa ingenuidade infantil respondíamos que era o corajoso, pois conseguiu realizar a prova em menos tempo. Minha mãe explicava que foi o medroso, pois ele tinha vencido o próprio medo.
Como eram sábias as histórias de minha mãe! Quando vencemos nossos limites, vencemos as adversidades da vida.
Com esta crônica homenageio todas as mães do mundo.