A garota no ônibus
Eu estava no ônibus. Ele não estava tão lotado como de costume, o que facilitou eu vê-la entrar. Não mentirei: foi chocante.
Na época do colégio ela era uma das meninas mais inteligentes, meigas e simpáticas que existiam. Minha relação com ela não era muito próxima, mas eu a admirava. Ela escrevia também, e tinha um talento que talvez eu nunca chegue a possuir; até por esse motivo ela até chegou a publicar alguns poemas em uma antologia há alguns anos atrás – fiquei sabendo.
Agora ela está diferente, mas a reconheci, obviamente, e ela também me reconheceu; só que nem nos aproximamos. Assim que ela entrou no ônibus notei a barriga; deve estar grávida de uns 6, 7 meses – deve ser mãe solteira, pois não consegui notar a presença de uma aliança em seus dedos. Seu longo cabelo loiro deu lugar a um cabelo bem curto e arrepiado, seus olhos vivos deram lugar a um olhar pesado e desolador, todas as partes de seu corpo que estavam à mostra tinham inúmeras tatuagens, e havia piercings espalhados por seu rosto.
Não sou um cara conservador, e tal visual não costuma me impressionar. Mas a questão é que quem a conheceu, jamais imaginaria ela daquele jeito. Afinal, o que houvera com aquela menina genial e visionária? O que teria ocorrido nesses pouco mais de 6 anos? Como ela está afinal? A gravidez é bem-vinda?
Ah como eu tive vontade de falar com ela! Mas penso que não teríamos assunto... Na época de colégio não conversávamos muito, não seria diferente agora... Mas talvez eu estivesse enganado... Provavelmente eu estava enganado! É quase certo que conseguiríamos estabelecer um diálogo (a não ser que a menina educada que eu conhecera tenha se transformado num monstro). Eu diria “Oi”, soltaria um “Nossa, quanto tempo!”, e perguntaria com um sorriso no rosto “Seu bebê está de quantos meses?”. Daí em diante eu esperaria respostas dosadas, mas simpáticas, e era provável que seria mais uma boa amiga em minha vida... ou não. O fato é que nunca saberei, pois fui covarde! Tive vergonha, tive, sobretudo medo. Pois eu sabia que ela perguntaria sobre mim, e no final das contas ela ficaria tão (ou talvez até mais) chocada do que eu em relação a ela.
Por quê? Ah, ninguém deve se enganar pelas aparências! (na maioria das vezes as pessoas se enganam pelas aparências.) Aquele rostinho bonito (sou exagerado), e aquele crachá de empresa multinacional em meu peito não significam nada. Sou só mais um peão assalariado.
Na época de colégio eu era o típico Nerd: tímido, poucos amigos, eu era constantemente zuado (nem por isso virei um atirador suicida), e sempre tirava notas altíssimas. Os “colegas” de sala juravam que eu aos 20 anos de idade já seria um milionário (eles também eram exagerados), e meu pai jurava que eu seria um arquiteto bem sucedido. As pessoas por vezes sonhavam por mim, e eu também tinha meus sonhos particulares... Mas nenhum deles se tornou concreto até o presente momento; nem os deles, nem os meus.
O fato é que eu venho de uma geração falida.
Quase ninguém, com raríssimas exceções, se deu bem na vida depois do término do colégio. E aqueles que se deram mais ou menos bem, não se sobressaíram muito na sociedade.
O fato é que éramos mais jovens, mais dispostos (não que agora sejamos velhos indispostos), mas naquele tempo as coisas eram mais fáceis, nós tínhamos sonhos maiores, e achávamos que a vida seria mais simples conosco. Mas depois a gente descobre que não é assim. Que a vida é difícil. Que tem que trabalhar muito para conseguir conquistar um lugar no pódio da vida. São exceções aqueles que tem tudo na mão (leia-se burguesia) e facilmente são alçados a voos mais altos (Não moramos na Europa, e até lá isso é uma exceção).
Sim, o encontro a distância que tive com aquela menina mexeu comigo, me chocou, me fez refletir muito. Será que eu estou melhor que ela? Será que ela na verdade é que está melhor que eu? Tanta coisa mudou... E talvez se eu olhasse no espelho e prestasse mais atenção, eu notaria que eu também mudei. Todos mudam inevitavelmente. É da natureza humana ser mutável.
Apesar dos pesares, minha geração continua na luta, e tenho certeza que os antigos sonhos ainda continuam lá. Espero que um dia nós consigamos dar a volta por cima e deixemos de ser uma “geração falida”.