80. Esta é a minha família
Aqui estão as minhas raízes: Rembrandt, Vermeer, Joan Miro, Van Gogh…
Como são meus: a basílica de São Pedro, Miguel Ângelo, Leonardo da Vinci, Bramante, Sir Christopher Wren, Rafael.. .
Como são as da Tate Modern. Como são as de Roma, de Paris, de Londres e daqui de Amesterdão.
Na primeira viagem, logo após o soco, fui às raízes do sangue, ao encontro da família biológica. Quase só. Foi uma viagem de sobrevivências. Viagem para me recuperar.
Agora na segunda, tenho ido às raízes do intelecto, ao encontro da família cultural. Quase só. Viagem de vivências. Viagem para viver a liberdade.
Mas quem porventura pensar, está o seu direito, que é só isso, engana-se: agarrado às raízes, há sempre o sangue e o intelecto.
Após o soco, este tsunami devastador e libertador, como me diz uma amiga recente, ando a alimentar-me de umas e de outras: a pôr-me inteiro e a crescer.
Cheguei a Amesterdão à hora marcada no bilhete, uma hora e quarenta e três minutos em ponto, como se diz que os relógios suíços são, dei entrada no hotel, troquei de roupa, mandei mensagens aos meus filhos, família e sangue, a única eterna, e amigos de peito, velhos ou recentes, a dizer que havia chegado bem apesar de ter viajado em pé, erro meu ou do computador, e meti-me no Rijks.
Confesso que estou um nada cansado, e não será para menos, vejam lá que às cinco da madrugada já estava de pé, andei mais de uma hora de comboio de Gisor à ‘gare de Saint Lazare,’ depois ainda fui de metro até à ‘gare du Nord,’e mais de quatro horas, pareceu-me, ou perto disso, entre a ‘gare du Nord’ e a ‘Station Central’ em Amesterdão.
Mas, por nada deste mundo por vezes padrasto, deixaria de ir a correr, por mais cansado que estivesse, e nisto o mundo não é padrasto, a sentir Rembrandt.
O Júlio liga-me: estás então em Amesterdão. Estou diante do quadro mais badalado de Rembrandt.
Queria continuar, mas a guarda do museu, disse: não, não pode falar ao telemóvel aqui.
Até já Júlio.
Amesterdão, 21 de Julho de 2010
Mário Moura