ESTÃO ME TIRANDO A VISÃO

Quando me mudei para o apartamento onde moro - aqui na Av. Nilo Peçanha - das janelas da frente dava para ver, à minha esquerda, uma boa faixa da vastidão do mar que se debruça sobre as praias do Forte, do Meio e dos Artistas. Olhando em frente, costumava contemplar o Farol de Mãe Luiza, que à noite espargia seus incandescentes raios de luz, orientando os barcos que navegam a essas horas na solidão do oceano. Ainda tinha como pano de fundo a cordilheira dos morros de areia que se foram formando ao longo dos séculos, há milênios talvez, forrados do verde da Mata Atlântica, onde fincaram uma dezena, ou mais, de torres de TV ou altas antenas ornamentadas de lâmpadas de várias cores, estas, suponho, que das empresas telefônicas e de televisão. E, aqui e ali, lá no topo ou ao sopé, algumas casas, talvez construídas clandestinamente, lá ficaram. Já da varanda, no lado esquerdo, dava – e ainda dá – para observar, a uma certa distância, o leito sereno do velho Rio Potengi e, além dele, o dorso esverdeado do mar da Redinha e parte de Genipabu.

Das janelas laterais, além de uma larga faixa de mar, desdobrando suas ondas desde a praia do Forte, ainda vejo o casario das Rocas e os antigos edifícios da velha Ribeira, que já foi, até alguns decênios atrás, o principal bairro comercial da cidade. Diviso as torres da antiga Igreja do Bom Jesus, que conheci na primeira viagem a Natal, quando eu e mais quatro amigos, aprovados em concurso do Banco do Brasil, viemos, em 1943, tirar, aqui, os documentos necessários à nossa posse, hospedando-nos, então, na antiga Pensão Bom Jesus. Mais além, vê-se o Forte dos Reis Magos. Costumo, às vezes, demorar-me na visão das dunas brancas e do mar que banha a Praia da Redinha. Via, e ainda vejo, os barcos e os navios chegando e saindo do porto. Esse entretenimento ainda faz parte da minha rotina e me proporciona momentos de passatempo que preenchem as horas monótonas de um aposentado já na quadra outonal da vida.

Quando aqui cheguei, só existia de mais próximo, à direita, o edifício Alphaville. No final da avenida, entrando na Getúlio Vargas, já lá estava o Luciano Cavalcante. Entretanto, logo mais foram erguendo outros edifícios: o primeiro foi o Eldorado, depois, em frente, no local onde foi a casa do Des. Floriano Cavalcanti, com várias e imensas mangueiras, mais da metade derrubadas, construíram o edifício que tem o seu nome. Depois, quase em frente, o Residencial Monte Sinai. Aqui e ali, na avenida onde moro, outros foram levantados, roubando-me a contemplação dos morros e do Farol com seus raios incandescentes cortando a escuridão das noites.

Na esquina com a Rua Manoel Dantas, existia uma casa antiga, de dois pavimentos, toda de pedra, com piscina e jardim, mas foi comprada e demolida por uma imobiliária, para construir um grande edifício. Ao longo dessa mesma rua, um outro foi recentemente inaugurado, quase furando as nuvens com seus mais de cinqüenta andares, e vários estão sendo erguidos ou projetados, de modo que, em poucos anos, me terão tomado toda a visão do mar, do Forte, da Redinha, do Potengi e da bela Ponte Newton Navarro, construída há poucos anos, sobre a qual trafegam os carros que vêm ou que vão para a zona norte de Natal, e sob a qual navegam os navios de carga e de passageiros, que chegam e saem.

Então, se Deus me der mais alguns anos de sobrevivência, terão me tomado, além de toda visão desses dois panoramas, o da frente, isto é, o do Farol e o dos morros, e toda a vasta e privilegiada visão do sereno Potengi, tão decantado pelos nossos poetas. Dessa forma, terão me subtraído as duas belas paisagens, que até já supunha um direito adquirido, como usucapião, pelos mais de 25 anos de uso.

Mas, o que ainda me conforta, e esta não roubarão, é a da minha janela estratégica que já mencionei várias vezes em algumas crônicas. Por esta vejo o céu e, através dela entra o meu mensageiro, o vento. O céu, conforme se apresenta, mexe com minha alma, e o vento, conforme chega e entra, forte ou brando, me traz, de longe, do passado, mensagens que me acalantam e me reconfortam.

O que fazer? Qual a razão da construção de tantos e tão altos edifícios, muitos de apenas uma sala, um pequeno quarto, uma minicozinha e diminuta área de serviço? Porque as famílias estão trocando suas casas confortáveis por apartamentos e edifícios? É a insegurança que as apavora, na presunção de ter mais tranquilidade. Famílias trocaram suas casas bonitas e confortáveis, quintal com diversas árvores, lindos jardins – renunciando a tudo isso - para, com sua lamentável demolição, receberem dois ou três apartamentos, mudando radicalmente o modo de vida de tantos anos, como eu próprio tive que fazer. Mas, a violência está em toda parte: nas ruas, nas saídas dos bancos, nos estacionamentos, nos sinais de trânsito, nas praias, em muitos lugares e a toda hora. Faz parte do “progresso” que, sob alguns aspectos, nos proporciona conforto, mas, por outro, nos priva de alguns prazeres espirituais que a Natureza nos prodigaliza. Assim, repito, o que fazer? É pedir a Deus sua proteção e, melancolicamente, irmo-nos conformando a conviver com o medo.

Obery Rodrigues
Enviado por Obery Rodrigues em 04/04/2011
Reeditado em 07/04/2011
Código do texto: T2888734