A Gente É Dessa Festa (Pra Não Dar Satisfação a Ninguém)

Ontem decidi pela festa. Veja bem, não se tratava necessariamente de uma balada ou algo congênere, mas sim, a festa.

Optei por aquela festa que você costuma ir, por ir, e lá se afaz nas amizades de última hora, conversas descomprometidas e à vontade; quase nenhum tato.

Taí, fui me comemorar, estou disposto a dar um tempo nas coisas desusadas que carregamos sem caber agora. E de lá tomei um bonde pro acaso, experimentei uma pachecada daquelas, dose dupla, acabamos no cruzamento, bem na esquina da Não Sei Como com a Quando Foi. A mim, um cara pronto para desligar o despertador inclusive aos domingos, o amigo ao meu lado não anunciou o seu nome, tampouco as duas senhoras no carro à nossa frente, portas abertas, denúncia de abuso.

O sentido de não dar satisfação é a culpa do outro lado do telefone.

Chefe, quem não tem?

Ando lendo Carpinejar com desenvoltura de quem descobre a cópia.

Um sábio guri de galochas pardas, sabedoria nas unhas, compõe aquilo que eu mesmo cerzia há anos. Cria frases que saíram de mim, mas não, Carpinejar sabe mesmo das coisas!

Ando desfrutando maçãs antes mendigadas, um prazer da oferta oferecida, agradecimento divino, obrigado! E ainda podem vocês que exista quem ouse dar razão ao meu chefe?

Resolvi caxangar, “veja bem meu patrão, como pode ser bom: você trabalharia no sol, e eu tomando banho de mar”.

Coloquei no mudo, mesmo assim ouvi cada uma das dezessete ligações não atendidas. Desliguei o aparelho, mas o danado desatava uma vibração de britadeira. Chefe é fogo, coordena até o tum-tum-tum do seu coração verdadeiro, sem metáfora alguma.

Eu estava disposto, único e exclusivo, rei com rei na barriga!

Havia uma contradição. Ou melhor, um impasse...

O chefe pretendia que eu não me desviasse: funcionário padrão por mais de uma década! Orgulho pra quem? Estou caxangando, meu rei... Caxanga você também...!

Acontece que o chefe não lê Carpinejar, e caso eu poste a natureza desta nossa esquina no Twitter, o meu chefe estará me seguindo em questão de horas. Se uma fotografia acabar no Facebook, dará em justa causa.

Vê você se não é um infeliz quando dá razão ao meu chefe!

Festa sem você lá é balada. Talvez o meu chefe interprete da mesma forma.

Como cada um está interessado demais no atraso inconveniente do metrô, quem sabe a minha história convença que, de atraso em atraso, se desfigure o exemplo... Daí o meu chefe passará por paspalhão, pois dele jamais se ouviu falar no metrô. Jurei não morrer de vergonha, jurei não jurar mais nada.

Apenas caxanguei.

Avisei dia desses que contaria, por aqui, algumas histórias terríveis. Azar de quem as lê!

Sou um modelo de operário, labuto com os punhos descobertos, o sorriso requisitado, a solução na corrente sanguínea. Um modelo humano, nunca havia caxangado antes. Rebeldia, apenas nas horas vagas, e com as coisas vagas da precisão diária.

Daí resolvi armar a festa.

E, obviamente, não atender aos telefonemas.

Mas preciso voltar para casa, precaver os destinos das decisões pé de cabeça. Sei que conto com baita experiência, referências mil, currículo monumental: da pré-escola ao desemprego. Sei andar pela Sé, aprendi a caprichar no passaporte, consegui ser aplaudido.

Depois, completei uma idade anteontem, das que se comemora.

Dane-se se o chefe ligar novamente.

O colocarei para falar com o meu gatinho, um siamês de mentira.

Quero ver o meu chefe controlar o rom-rom-rom dele!

Daí você sentirá saudade em discordar do chefe, temerá pela certa necessidade de me dar razão. Considerará a minha possibilidade uma oferta especial.

Tal como as que eu tive.

Fazer o que, se o meu olhar resolveu dizer: “a gente é uma festa”?

Vamos?

Que tal?