A SINA PREMONITÓRIA DAS NOVELAS DA TV GLOBO

Sou um aficcionado por “roteiros”, e a teledramaturgia não me escapa ao gosto. Se isso é ser noveleiro, sou um deles, sempre que posso. Contudo, mais do que roteiros, aprecio o trabalho dos roteiristas em todo seu processo: da idéia original – ainda que em adaptações ou pastiches - aos pitacos do público que amam matar personagens e casar outras, até as intromissões dos patrocinadores que procuro compreender pelas leis que regem o mercado, não por concordar com eles e suas ameaças assustadoras para as emissoras de TV de migrar para outro programa ao menor agacho da audiência. Esse tipo de ação de marketing, quando ocorre, faz com que as novelas, no caso em questão, sejam terminadas precocemente e bem porcamente. Quando ocorre o contrário com a audiência tocando os astros – lá de cima, não dos estúdios de gravação, os quais também provocam turba midiática -, aí as novelas tornam-se uma melação, um beija-beija, uma choradeira, uma indecisão, um “Quem-Matou-Odete-Roitman”, sem-fim. Em ambos os casos – pitacos e intromissões -, coitados dos roteiristas.

É sabido que os roteiristas de teledramaturgia escrevem uma quantidade enorme de laudas por dia, pois, ao contrário do teatro, por exemplo, onde os ensaios começam com o texto pronto, os textos de novelas são organismos vivos que podem mudar a cada acontecimento fora da telinha ou dentro dela, nos bastidores da produção. É um trabalho árduo, cansativo, mas compensador dado o poder de entretenimento que nos ofertam esses profissionais da escrita. Mas, confesso, como telespectador, bem que a TV Globo podia mudar um pouco esse estilo de vários casamentos e uniões no último dia da novela. Essa fórmula já não agrada nem os mais antigos tampouco os adolescentes que já sabem desde o começo da novela quem vai ficar com quem no final, sem precisar assisti-la. Para não dizer que não sou flexível, uma novela que me surpreendeu na época foi “Porto dos Milagres”, quando, no último capítulo, a personagem Rosa Palmeirão (Luísa Tomé) mata repentinamente o milionário Félix Guerreiro (Antonio Fagundes), numa festa onde ele era o homenageado. É bom que se diga aqui que não leio jornais e revistas que trazem os episódios da semana, ainda que o diretor grave três finais diferentes para o último dia. Seria como ler as últimas páginas de Anna Kareninna, de Tolstói e, em seguida, começar a leitura do início. Chega a ser herético. Daí minha preferência por livros ao invés de televisão.

Claro que há roteiristas que não gosto como escrevem. Outros, adoro. Assim como se deve levar em conta a interpretação dos atores em cada uma de suas personagens. Adoro, por exemplo, quando, quem seria secundário (a) no enredo, rouba a cena e transforma-se em quase-protagonista pela construção da personagem ao longo do tempo de gravação. Olha que esses atores e atrizes que conseguem fazer isso e caem no gosto popular dão um trabalhão sem hora-extra para os roteiristas, até para os mais experientes. A isso chamamos, da parte de todos, “talento”.

Outros dois malabarismos de roteiristas que me agradam muito são, o primeiro, quando importam uma personagem de uma novela para outra, como ocorreu com Lima Duarte que interpretou um senador corrupto, em duas novelas diferentes. O segundo malabarismo, é quando precisam “salvar” a audiência e convocam a Vera Fisher para uma ponta na novela moribunda.

Enfim, introduzi profundamente com propósitos não muito claros, peço que me desculpem o atrevimento, mas foi mesmo para falar de dois autores-roteiristas com qualidades literárias brilhantes e distintas, incluindo suas capacidades premonitórias absolutamente involuntárias, é óbvio.

Glória Peres, que escreveu “O Clone”, que foi ao ar na TV Globo dias antes dos ataques de 11 de setembro aos EUA, colocando, graças à Bush e à maldita Grande Mídia, os olhos do mundo todo sobre todo e qualquer muçulmano que nos cruzasse o caminho. Na ocasião, imagino a tensividade dentro do núcleo muçulmano da novela pelos olhos da autora para assegurar ou resgatar a imagem de que nem todo muçulmano é terrorista e vice-versa. Peres, podemos dizer, chegou a criar uma minissérie dentro da novela para assegurar a ordem, e, como boa brasileira e expertise em produção de textos, conseguiu fazer muçulmanos dançarem Zeca Pagodinho, e pelas ruas, como vi muitas vezes, jovens e crianças pronunciando expressões árabes muito faladas pelas personagens das novelas. Para mim, veja bem, para mim, isso vai além da Arte pelo contexto em que se deu: beira à genialidade.

Agora, o outro, Walcir Carrasco, que teve a idéia fascinante de gravar as cenas iniciais da incipiente “Morde & Assopra” na linda Terra do Sol Nascente. O Japão tão castigado pelas catástrofes naturais recentes, cedeu-nos um pouco de seu espaço e de sua cultura para enriquecer a teledramaturgia brasileira semanas antes dos horrores que vivem hoje. Certamente, Walcir dará prosseguimento à trama sem se esquecer do Japão em algum momento, porque ele é bom no que faz, e um bom ser humano.

Como disse antes, qualidades brilhantes, o que é notório, e distintas, que é exatamente o caso da sina a que me refiro neste título. Glória Peres, como roteirista, usou sua obra contra a instauração da intolerância religiosa com relevante sucesso no país, até onde se sabe. Já, Walcir, não podia imaginar, obviamente, o mal que rondava o povo japonês, e nem tem muito o que fazer por eles, a não ser, e a meu ver, capítulos diversos onde possamos a todo momento lembrar que aquele povo e aquela terra, nos deu de brinde a chance de nos mantermos por muitos anos na ponta da teledramaturgia mundial.

Em tempo: muito bonita a homenagem da TV Globo ao povo japonês no início da novela que começou esta semana.

Saúde, Japão!

Publicado no site www.atrevidax.com