Debates Com O Nosso Ser
O Debate Do Coração E Do Corpo De Villon
- Que ouço?
- Sou eu!
- Mas quem?
- É o teu cor
Ação, que pende só de um breve fio,
Sem substância, humor e sem licor,
Ao ver-te longe e só dias a fio
E ao léu deixado como cão vadio.
- E ao que se deve?
- À tua extravagância.
- E o que te importa?
- Apenas fico em ânsia.
- Deixa-me em paz!
- Por que?
- Pensarei nisso.
- Quando será?
- Quando eu deixar a infância.
- Mais não te digo.
- E me faz falta isso?
- No que sonhas?
- Ser um homem de valor.
- Tens trinta. Igual a um mulo, pois, confio.
É isso infância.
- Não.
- Louco é o palor
Que te sustém?
- Ao pescoço? Eu me fio?
- Não sabes?
- Sei? A mosca em leite frio.
Um é branco, outra é negra: é a discordância.
- Isso é tudo?
- Não queres concordância?
Se não te basta eu pensarei mais nisso.
- Desesperas!
- Resisto na constância.
- Mais não te digo.
- E me faz falta isso?
- Estou sofrido. És tu, o mal e a dor.
Se fosses só um tolo, desconfio
Que ainda ousasse algo abonador.
Belo ou feio é igual o teu desafio.
Cabeça dura mais que o meio-fio,
Mais que a honra, te apraz a dissonância?
- Bem, que ao morrer estarei fora disso.
- Que consolo, meu Deus!
- Que retumbância!
- Mais não te digo.
- E me faz falta isso?
- De onde vem este mal?
- Do amargor;
Pois Saturno ao tecer com poderio
O meu destino, o pôs.
- És o senhor:
Ser valete da sina é desvario.
O que Salomão disse, ora copio:
"O homem sábio (disse) tem potência
Para agir nos astros e influência."
- Mas, sem crer, sou ao fado submisso.
- O que dizes?
- É a minha evidência.
- Mais não te digo.
- E me faz falta isso?
- Viver não queres?
- Deus me dê potência.
- Isso, mas falta...
- ?
- A dor na consciência.
- Ler sem findar.
- O quê?
- Ler na ciência.
- Longe dos loucos!
- Guardo o compromisso.
- Ouve e retém.
- Guardo essa advertência.
- Não esperes demais, por displicência.
Mais não te digo.
- E me faz falta isso?
François Villon
A relíquia poética acima foi descoberta semana passada por este Inominável Ser a vós escrever aqui. François Villon, poeta francês controvertido, boêmio, várias vezes a escapar da forca, de caráter não muito agradável e, até, com tendências violentas graves (matou em uma desavença na rua a um padre), poderia ter sido apenas um malfeitorzinho medíocre como muitos da Paris do Quattrocento. Mas, devido aos seus dotes poéticos, deixou um legado de riquíssima conteúdo na maneira como a exteriorização da análise interior é levada através de poemas que tudo dizem de uma alma como a dele. Acima está a alma de François Villon e, sem forçar o trocadilho (algo que seria estúpido se esta reflexão fosse cômica, voltada para os risos estúpidos que poderia ocasionar), se lermos a biografia dele, notaremos que ele foi um vilão na acepção mais contemporânea da palavra conforme a nossa boa sociedade que sempre se dispõe a arranjar valores e interpretações para todo comportamento fora dos padrões normais. Pessoa normal Villon não era, mas falo do normal de aceitar-se como se é, de ser conformado pelo ocorrer e correr no alvorecer dos dias contínuos dos fatos sucessivos existenciais. Mas, quem pode se dizer plenamente normal, um perfeito santo, neste mundo de seres que em sua maioria, ou totalidade, vivem em conflito consigo mesmos a todo momento, debatendo consigo mesmo sobre o que fazer e o que não fazer no ritmo elevado dos acontecimentos?
- O que me importa pensar que o mundo queira que eu seja como ele quer?
- Quem se intromete em minha reflexão?
- Eu aqui, em ti, Inominável Ser.
- Tu, quem és?
- Vosso Eu Verdadeiro. Vosso Outro Eu.
- O que tens a me dizer? O que tens a dizer a todos os que estão lendo a esta reflexão?
- Vou dizer que aqui há um louco.
- Eu sou um louco, meu Eu Verdadeiro?
- Sim, tu és louco.
- Louco por apenas dizer o que eu penso?
- Louco por pensar o que diz.
- Louco por apenas fazer o que eu quero?
- Louco por querer o que fazer.
- Louco por estar na Internet apenas dizendo algo?
- Louco por algo dizer estando na Internet.
- É a minha atual condição.
- Que condição?
- Ser eu mesmo aqui.
- E quem és tu mesmo, Inominável Ser?
- Sou tu, meu Eu Verdadeiro.
- Eu?
- Quem eu seria?
- Você.
- E quem sou eu?
- Você.
- E quem és tu?
- Não sei...
- Quem te conduz verdadeiramente acima de todo conduzir falsamente?
- Eu mesmo.
- E aonde realiza isso?
- Em ti mesmo.
- E qual a ronda que faço em volta de mim mesmo?
- A ronda na qual eu sou você sendo eu mesmo.
- Então, eu te digo que somos o mesmo.
- Somos, mesmo.
- Algo mais a dizer?
- Não sei...
- Importa-se em deixar-me ser verdadeiramente eu?
- Não.
Já tivestes uma conversa amigável com os vossos Eus Verdadeiros? É na sintetização de vossa própria energia a fazer-lhes senhores de vossas Vontades Verdadeiras que o debate faz com que o encontro com o que são verdadeiramente é realizado. Sei, que muitos de vós são conscientes de si mesmos, mas são conscientes de que podem ser mais conscientes do que si mesmos? Digo, conscientes de que podem buscar mais do que são verdadeiramente no âmago de vossas Verdades Internas? Consciência de si é ter um debate consigo mesmo, falar consigo mesmo, unidade com unidade. Duplicidade não há, Villon disso sabia, mas entregue ao dualismo corpo/alma, coração/corpo, viajamos por versos nada poéticos que nos mostram a realidade do que nós não somos. Ás vezes, aquele homem mulherengo, cheio de marra, de pose, dono de si, machista convicto, é, sozinho debatendo consigo mesmo sobre si mesmo o mais complicado dos seres humanos; ás vezes, o homem arrogante, o "intelectual orgânico mais bem dotado de altas capacidades intelectuais" é o mais inseguro de todos nós inseguros mortais debatendo consigo mesmo sobre si mesmo; ás vezes, todos nós, seguros de nossas palavras, tão seguros, tão firmes, tão astutos, tão dispostos a sermos autênticos em tudo o que fazemos, somos, sozinhos debatendo conosco mesmos sobre nós mesmos um amontoado de infantis frágeis membros movidos por muitos instintos e poucos reais altos raciocínios... Este Inominável Ser aqui não encontrou a chave para não continuar debatendo consigo mesmo acerca de si mesmo. Este Inominável Ser aqui, ao controlar os vários infinitos Eus além de seu Eu Verdadeiro, nada mais faz do que por alguns instantes manejar inerte o Villon que jaz eternamente em seu Ser. Ás vezes, este Inominável Ser aqui cai mais fundo do que Villon e trava verdadeiras guerras com os vários Eus em si... Nesta reflexão, para aqueles que melhor podem ler através das entrelinhas, os vários infinitos Eus deste Inominável Ser aqui se manifestaram. Quantos debates este Inominável Ser aqui tem diariamente com o seu Ser... Não temam tais debates todos vós a lerem esta reflexão. Como Villon, aprendam com eles. Como este Inominável Ser aqui, aprendam com eles. Como vós mesmos, renasçam a partir deles para novas várias infinitas vidas. Ou quereis sempre estar em conflito consigo mesmos, fugindo diariamente de um debate ou de vários debates que são os verdadeiros salvadores internos dos seres humanos?
Texto originalmente publicado em meu falecido blog no Windows Live Spaces denominado Sobre Filosofia E Poesia E Música E Magia E Mundo em 19/09/06.