A Teoria dos Mil Assuntos

A Teoria dos Mil Assuntos

 

 

 

 

Susannah Grant, cineasta, colocou na boca de sua protagonista em “Pegar ou largar” o seguinte texto: “Eu roubo livros de bibliotecas públicas. Já roubei de várias e não saberia dizer se gosto ou não de fazer isso. E mais, adoro cataclismos, sobretudo os que envolvem milhares de mortos. Gosto quando isso acontece e fico frustrada quando morrem poucas pessoas”. Essa personagem diz isso durante um jantar zen, num filme leve e até que muito bem intencionado, sobre a eterna vida em recomeço. Isso é um assunto.

 

Clima. Sempre rende um palavrório e na América dos 90 virou cátedra, onde de cara o aluno já se deparava com: “clima – ninguém sabe o que é”. Algo para se estudar de cabeça baixa.

 

Em 1976 Joe Pass e Oscar Peterson gravaram juntos um disco na base da guitarra (Pass) e clavicórdio (Peterson), sendo este instrumento tataravô dos instrumentos de corda e tecla. A sonoridade do clavicórdio instiga e você pode repetir isso num convescote, logo depois do clima. Como ninguém mais se lembra de Joe & Oscar, pode dizer que foram comediantes ancestrais de Chaplin e que lhe ensinaram aqueles malabarismos todos. Fique sossegado(a) que cola. Se não colar você diz que se enganou, que sua cabeça anda falhando ultimamente, só a sua e de ninguém mais e tal revelação renderá palavras e mais palavras.

 

Woody Allen, em entrevista ocorrida na Era de Aquário, ao ser indagado sobre uma pretensa vontade de voltar a fazer stand-up comedy ele anui, confessa às vezes sentir essa vontade, mas então espera ela passar.

 

Outra coisa que você pode sibilar, numa exposição de hã, arte, pela madrugada, o que acontece com a Nova Nova Guarda? Não, não diga isso, pois este foi um comentário próprio, um desabafo, digamos, que se estenderia a algo como: por que esses sujeitos não pintam um quadro? Uma pincelada, depois outra, e então mais uma, depois outra, mas não, perpetuam o hábito de jogar um balde de tinta na tela, colocar uma caixa de som com algum efeito sonoro (insuportável) nas proximidades, então aventam que isso seja uma “instalação” e rogam ao seu conjunto sensorial um esgar de aprovação. Quer saber, não diga nada durante uma exposição, sorria ligeiramente e em último caso fale sobre o clima. Quanto ao som, caso haja, adote uma fisionomia de velada perspicácia e indague: isso é um clavicórdio?

 

Na primeira página do jornal Metro, de hoje, consta a seguinte manchete: “Parlamentares fichas-sujas vão poder assumir”. Se, dependendo do ângulo, isso seja motivo para jogar por terra toda inspiração benigna dentro do vosso ser, por outro ângulo pondere que a situação continua igual e isso por si só, apesar de calar certos assuntos, emite a paz para vencer mais um dia com o slogan “as coisas são como são”.

 

Cinturão de Fótons deve ser considerado um assunto de alguma monta na vizinhança, a Terra começou a penetrá-lo em 1987, mas o nosso o sistema solar começou primeiro, em 1972. Seria aconselhável papear sobre o Cinturão de manhãzinha, com a vizinha que foi à feira, ou à noitinha, com o vizinho recolhendo o lixo. Todos sabem a respeito e você precisa se atualizar, para não ficar falando só de clavicórdios o tempo todo.

 

O senhor Jonathan Lemkin, que com toda certeza se alegra ao roteirizar palavras para serem filmadas, coloca na boca de um papel miúdo a seguinte prescrição: “quando você acha que entendeu tudo é porque você não entendeu nada”.

 

Na prática, a opção acima se adapta em qualquer assunto. Na teoria, temos muito mais do que mil assuntos.



(Imagem: Anna Sophie Lorenze Petersen, Lantern Parade,  oil on canvas)

 

 

 

 

 

 

 

 

Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 25/03/2011
Reeditado em 24/01/2022
Código do texto: T2869954
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