Depoimento: A Primeira Vez

Nessa noite o moleque abriu a porta de casa e já chegando se jogou, da camisa ao sofá, cada um prum canto; detestou que alguém lhe percebesse.

O pai, acabado de se trazer do bar, continuou por fazer de conta que ali assentava um ambiente tranquilo e disposto.

Do quarto a irmã percebia que a mãe secava uma lágrima escorrida na direção do aperto - de onde vinha -, enquanto a mais nova apenas contava as tranças de lã na cabeça da boneca.

Alguma forma abatida minguou o ofegar do garoto. Treze anos é muito pouco tempo para alguém entrar nessa, certamente a mãe chorava por já ter-se pensado nas possibilidades: - pela vizinhança, isso é mais comum que falta de luz. Primeiro a agitação, as pálpebras, o fôlego. Depois, a calma de quase isolamento.

Ninguém mais volta dessa...!

Ele, o menino mais velho, era um bicho sem selva, estava esfoladíssimo, porém apenas para quem não lhe via pela pele, mas na alma: os olhos esbugalhados; tremia. Frio, calafrio, os pais da vizinhança já nos descreveram à exaustão sintomas iguais. Irreversíveis. Ele, o menino, o nosso menino, agora é vítima dessa situação.

Dentro de nossa própria casa.

Eu mesmo (e devo confessar em tonalidade clara, hoje em dia, após muita batalha, muita conquista) já passei por isso e digo: no começo, todo sopro é pedrada, atiça a mente mesmo, contagia.

A minha primeira vez foi em São Paulo propriamente, lá em cima, só que ficamos debaixo da marquise porque chovia. Muito. Chovia demais. Eu havia tirado a camisa e perdido os chinelos nas poças. Foi uma derrota, cara! Uma baita derrota, meu irmão!

Todos nos olhavam, tava na cara que nos percebiam como derrotados.

Eu tava muito alucinado, meus amigos também estavam.

Alucinação de tristeza, sabe? Essa é a bem da verdade...

Só sei que consegui chegar à minha casa, estava molhado, descalço, arrasado. Mas os meus pais deram muito apoio, embora sentissem a minha objeção pela realidade naquele momento.

É verdade, não acaba, ninguém mais volta dessa. Outros virão pela frente.

E o nosso menino, assim como eu (e outras tantas outras pessoas conseguem) viverá em paz com essa condição.

Ou vai dizer que você nunca caiu nessa?

Acontece.

O moleque em questão mora em Paulista, cidade da Grande Recife, estado de Pernambuco. Apesar de ainda não ter prestado depoimento algum, vê-lo pelas ruas, indo para a escola, é um fato de satisfação para todos nós que gostamos dele.

Naquela noite, uma quarta-feira muito quente, J.P.S., 13 anos, vindo do Arruda, Recife, abriu a porta de casa deixando clara a primeira grande derrota de sua vida:

- o Santa Cruz perdeu a semifinal para o Náutico, 3x1.

Realmente, a primeira grande decepção num estádio de futebol é inesquecível, J.P.S., mas, acredite: é só por hoje.

Mesmo sendo irreversível, a decepção é só por hoje!

Afinal, quem ainda não viveu uma tristeza num estádio, da arquibancada ou da geral, jamais comemorou de verdade!