LORNA, A LÚGUBRE

Fui procurar uma bruxa. A minha banda, Os Cabeças, estava começando a despontar e eu precisava de orientação. A pressão de empresários, de gravadoras e da mídia estava ficando séria e pesada demais para suportar apenas com duas long necks de Heineken. Seguindo o exemplo dos mestres (Elvis, David Bowie, Vando e B.B. King), resolvi recorrer aos poderes ocultos para saber até onde esse mundo da música me levaria.

Lorna, a lúgubre, recebeu-me com um candelabro na mão, com quatro velas acesas e uma apagada, em sua casa escura e mal cheirosa, numa noite chuvosa, no outono londrino. Sim, eu estava em Londres, em uma consulta com uma bruxa norueguesa que, por mais absurdo que possa parecer, falava Português.

- Você é Lorna, a lúgubre?

- Sim... E você é...

- Eu sou o...

- Não diga!

Lorna colocou o dedo indicador no ouvido esquerdo e fechou os olhos com uma expressão estranha no rosto. Tirou um aparelho auditivo, regulou o volume, colocou o aparelho de volta na orelha e me olhou, levantando as sobrancelhas.

- Eu sou o Solismo. Carlos Solismo. Eu vim...

- Não diga!

Lorna me pegou pelo braço e fomos até uma pequena sala, ainda mais escura, à direita. Paramos bem no centro do cômodo, onde havia uma pequena mesa de madeira, cor de cereja madura. Novamente, ela me olhou com aquela expressão de "agora pode dizer" e, dessa vez, espremendo os olhos.

- Eu vim saber sobre a minha banda. Sobre o futuro dos Cabeças.

- Sei. Posso sentir...

Enquanto eu me acomodava na cadeira de madeira cor de pêra podre, comentei:

- Lúgubre esse seu ambiente. Penumbra, velas...

- Não paguei a conta da luz.

- Ah!

Ela já estava sentada e com a mão estendida com a palma para cima. Estendi a minha também e perguntei:

- Você lê a mão?

- Não. São quarenta libras.

- Quarenta libras?!??

Dessa vez ela levantou apenas uma sobrancelha. Apanhou o dinheiro e fechou os olhos, recostando-se na sua cadeira de madeira cor de musgo lustro.

- Vejo cabeças na sua vida... E elas flutuam no espaço, sem corpo.

- Como na minha camiseta?

- Sim! Como nessa sua camiseta!

- E o que isso quer dizer?

- Quer dizer que, além de você ter um péssimo gosto para moda, você aprecia cabeças.

- Como eu disse, eu faço parte dessa banda chamada Os Cabeças e...

- Sei. Posso sentir...

Foi nesse momento que comecei a questionar se a viagem de quarenta minutos até àquele bairro afastado havia valido a pena.

- Seu futuro é obscuro...

- Você vê alguma coisa ruim?

- Não... Não vejo nada. É obscuro...

- Como assim...?

- As portas estão fechadas. Vejo besouros em volta de um muro. Quem é esse?

De repente ela começou a levantar a voz.

- Vejo um homem negro, com uma faixa vermelha na testa. Seu nome é Jimi...

- Hendrix?

- Isso! E ele está fazendo uma fogueira...

- Mas o que isso quer dizer?

Agora ela gritava e parecia ter se desligado do aparelho que à ligava ao mundo. Ela já nem me ouvia mais. Entrou em transe. Tinha uma expressão lúgubre no rosto.

- Quem são John, Paul, George and Ringo? Eles correm atrás de uma garota. E ela está fugindo. Mas, só de brincadeira. Eles gritam histéricos atrás dela... Janis! Janis! Janis! E ela sorri e canta algo sobre um carro.

- Lorna!

- Não... Eles gritam Janis! Todos agora saltaram no mar. Inclusive o Jimi. Estão mergulhando... Nadando até o fundo e parece que não respiram. Toparam com um submarino! Um submarino dourado! Lindo! Que viagem...

- Lorna! Acorde!

- Vejo pedras rolando na beira do mar. Quem é Mick? Ele procura o lado escuro da lua e o pior é que acha que já encontrou! Bob? Você por aqui? Quem diria, Dylan? Você tem visto o Joe. Ele está precisando de uma ajuda dos amigos. Ele está desesperado...!!!

E eu também estava! Comecei a me preocupar. Aquela bruxa estava desvairada e não havia nada que eu pudesse fazer.

- Você é Carlos?

- Sim, Lorna! Sou eu!

- Carlos Santana?! Você é um vencedor!

Nesse momento, Lorna levantou-se, ainda com os olhos fechados e com a cabeça jogada para trás. Num salto, a lúgubre lançou-se com os braços estendidos na minha direção. Instintivamente, levantei da cadeira e fui correndo até a saída. Lorna, corria atrás de mim gritando:

- Bono! Bono! Bono!

Ela me perseguiu até o portão da casa e, antes de ligar o motor do meu carro e acelerar em direção à minha normalidade imbecil, eu pensei:

- Essa mulher é maluca! E está totalmente perdida no tempo!

Pelo retrovisor, tive a impressão de ver Lorna se virando e voltando calmamente até a porta da sua casa, com algumas notas na mão. Mas acho que foi só impressão. Não estava mais interessado em saber que diabos havia acontecido naquela noite chuvosa. E lúgubre.