A Buzina da Gente
Bambalalão! Eu juro que não...! Queixei um poema pros sem coração. Valei-me em dilema, eu penso que não! Deixou-me a figura – tão camaleão.
Entrave, carência: Deus-lhe! tudo e mais um pouco! acordou na nave dos arrependimentos entrepostos: birita, pra quê? Suave eloquência? Eu juro que não! À noite, nem eu era eu, nem a coisa me incomodava, como tanto agora: agora sou eu: cruel (in)diferença: o mundo me deu. Ajoelhou-se, disso me lembro. De dentro se lhe via, se admirava ter-se em tamanha desenvoltura, admira-me não soar arrependimento algum; buzina Chacrinha, buzina! Toca na alma desses praticamente mortos o que é matar alguém de prazer! O pecado não está na boca, mas passa por ela. E não que os outros mereçam, mas, modéstia a parte, quem se me visse nem acreditaria, era eu de xacras, dorso virado, talvez eu quisesse que o mundo nem se incomodasse, mas o mundo é um caduco mal-amado, desprazerado inconteste, não sabe aplaudir a nada que preste, nunca soube despir o trapo que veste, o mundo é um eunuco enforcado em cipreste, daquelas pragas que deflagram o azedume e nada as pune, mas não!, e ninguém dá de ouvidos a quem, de joelhos imundos, sorri com a língua, se usa, lambuza: se acusa! Quando a noite não começa pelo dia, sacanagem. Dane-se o mundo, e eu me dano. Quanta indiferença. Eu juro que sim. O outro, que não. Garantiu ter-me ligado por mais de três tentativas, eu, por suposto convalescimento de bronze, liga chinfrim, teria sido rude com os provins. Não me admira, agora, a mim, tamanha, arrependido. Mas e daí, depois se me via com as mãos ao chão, e espalmadas, os joelhos na mesma aquela posição de satisfação, os olhos de vertigem, a tremedeira por fora da barriga. Foi quando a noite se encaixou pra valer, e o suor brotou por duas vias. O descaso de uma casualidade é o prazer da memória. Lembro-me de como se fosse hoje, até porque foi ontem, embora anteontem ainda desse na oração sutil das gentes que não têm prece: ajoelhou, tem que rezar! Quero ver fugir dessa...
E, de repente, sem roupa com roupa sem roupa, com fome com sede e com fome, no lombo, no carro, na cama do chão, à frente, por trás, ajoelha, de todo jeito mais fome que sede mais fácil do que jeito mais geme que nada! Um silêncio tavernoso de prazer com tosse, não tuberculosa, mas de eliminar os pesares da gente, de tremer da perna ao batente, de abrir um leque sem dentes e esquentar as patentes incontinentes... Olhos fechados e abertos – e não há metáfora maior que o olhar de deleite. Deitar-se. Em pé. Embolar-se. Até o pé do prazer. Como a figura do cerne dos homens está por deixar o outro no agrado que dá: é a questão do olhar de deleite: o agrado que dá é o prazer! Com gozo, sem gozo... Não. Sem gozo, não. Por cima, acima, em cima. Por baixo, abaixo, embaixo. Com a língua, com gestos, com as mãos. No peito, por dentro, nos vãos. Arrepio na pele dos beijos. A retina comum dos dejetos, no encaixe, no que se contorce, no tira-e-põe sem perdão. Toca a buzina Chacrinha, buzina... Buzina... Buzina... Só não desbuzina!
Foi que acordei sem lado. Preciso me aposentar antes de virar notícia. Valei-me, inocência! Tomara que não. Quem merece vira deus, quem passou, passa por não nos adiantar as horas, por tomar tempo demais, mas quando alguém merece... Por que eu sou assim? Há sempre metade adiante de mim, pois que não enrosco em relacionamento que dure, e percebo pelos galanteios: há mais a mim do que a mim a eles. Eu quero uma coisa única, quero uma paz: poder ordenar as crianças de uma família: a minha família. Perdi quanto, a minha geração inteira? Uma década? Outra? Ou será, serei eu, aquela pessoa do bem que jamais terá ninguém, das que passam a nunca mais receber convites para o almoço domingo em famílias? Pois que me acomodo deslumbrante em qualquer muda de roupa, se saio de saia não há quem me deixe, se estou de terninho o executivo padece, na praia não há garotinho que não se aproxime. Sim, ter-me é um prêmio. E aquele papo sem nexo me deixou assim, com muita vontade, o motel no caminho, o destino de toda vontade da noite: uma boate, umas pessoas bonitas, eu dentro do carro, alguém banca a minha conta, e por outro acaso, e n’outra pessoa, eu faço o que quero, eu faço não presto. E aqui no escritório, um alvoroço de velório, eu olho como quem só implora pra que ninguém tenha sabido, mas o que os olhos não sabem a vontade condena, e eis que a mim fico apenas como quem se submete.
Não possuir desejos é estar doente do tempo. Ao que cabe a mim, só procura. Desisto. Ao que não encontro, o resgate: esqueçam da minha cabeça! Sim, eu saí ontem, anteontem, não sei. Sim, era uma orgia de duas pessoas e só. Não, eu não estou legal.
Acontece de o dia acabar e a gente voltar para casa. E nesses de ter que voltar, um dia a secretária eletrônica avisa: o que era um casual sem nome, resolveu insistir. O que faço? Rir? Sim... Rir, por que não? A comédia é mero drama de ocasião. Eu vivo a minha comédia como quem finge um camaleão. No fundo, nada acontece porque devia, mas sim, por quem tropeça. Um trupico na vida, o prazer pelas mãos, e a gente começa de novo: poesia em quem cabe, prazer a quem merece, e as lágrimas se limpa só as que encharcam o coração. Arrependimento? Chacrinha, toca a buzina, toca? Bambalalão, é que quando você só diz sim, eu finjo que não. Quando eu posso ser eu, apenas isso...
[Não É Mais Um Roteiro Pra Cinema (I), Amores Modernos]