O jeito dela de ser
Muitas vezes ela nem consegue conversar. Se vê completamente bloqueada. Tenta colocar suas idéias, mas suas idéias batem em uma muralha e voltam até ela, sem nenhuma ressonância. É como se encontrassem pela frente um muro de pedras sem nenhuma fenda. Então ela desiste e fica calada. Decidiu, já há algum tempo, que não vale a pena travar batalhas verbais para mostrar que está certa. E nem tem certeza disso, certeza de estar certa ou errada. O que também não tem nenhuma importância. O que importaria mesmo seria pensar e agir com coerência, mas nem isso é sempre possível, pois muitas vezes se reserva o direito de ser incoerente. Afinal mudar de idéia não é para qualquer pessoa – só as de mente aberta, pronta para o novo, podem fazer isso.
Porque está ficando difícil conversar, ela escreve. Suas idéias estão ali, todas no papel. É mas fácil lidar com a palavra escrita do que com a falada, ela pensa. Quando escreve, cada palavra sai letra por letra, pensada, refletida. Mesmo quando escreve bobagens, porque ela também faz isso, são bobagens pensadas, refletidas.
Ela tem idéias, mas não as deixa escaparem a torto e a direito. Não falando. Mas quando escreve, ela não se preocupa. Falando, talvez não fosse entendida, talvez tivesse que explicar. Ela não gosta de explicações. Quando escreve, deixa a cargo do leitor entender como quiser. Cada leitor entende com sua própria mente e interpreta e dá o sentido que quer. Nesses casos não é ela quem é julgada, mas o próprio leitor.
Não gosta de conversar sobre política e nem de escrever. Política não tem lógica nem poesia. Pelo menos a política do dia a dia, é impossível analisá-la. Aprendeu uma vez e não desaprendeu: a política é como a nuvem, muda a todo instante, em um piscar de olhos. Mas gosta da Política entendida como a arte de governar os povos. Para o bem dos povos. Por isso estudou História e Filosofia e escolheu ganhar o pão de cada dia contando histórias. O passado não mente quando as fontes são confiáveis. Basta analisar os fatos e verificar o efeito na vida presente.
Também não gosta de discutir Religião. É assunto proibido. Tanto para falar de religião quanto da falta dela. As pessoas geralmente são radicais a esse respeito. Ou pensa como eu ou pensa errado. Acha que a maioria das pessoas pensa errado, mas não põe a mão no fogo pelo seu jeito de pensar. É apenas o seu jeito. Cada pessoa tem o seu.
Gosta de pensar coisas que nem passa pela cabeça da maioria das pessoas. Tem gente que acha que ela é muito inteligente só porque não compreende a sua maneira de pensar. Tem gente que tem certeza de que ela é muito esquisita. Estranha mesmo. Ela não se importa com nenhum desses pensares. Aprendeu, depois de muita busca que é semelhante em muitas coisas às outras pessoas. Mas aprendeu também que é única: um indivíduo, que não precisa e nem quer ser igual a ninguém. Não busca se transformar em uma imagem preestabelecida de gente ideal. Busca encontrar sua imagem verdadeira, aquela que se viu escondida pelos acréscimos da vida em sociedade. Às vezes, quando escreve, se sente uma escultora lapidando o bloco de pedra de onde emergirá sua própria imagem.
Esse é o jeito dela de ser. Não quer muito nem pouco, só o tanto certo para ser. Porque pensa que ser é mais importante que ter. Ser é mais que existir. Ser é a Humanidade de Deus.