“O que a memória ama fica eterno”. Adélia Prado
O chocolate sagrado
Comecei a trabalhar com 13 anos em um escritório de contabilidade.
Estudava no turno vespertino, entrando na escola às 17h. Para cumprir o horário de trabalho chegava à empresa às 7h, tirava somente uma hora de almoço, quando ia a casa, almoçava rapidamente e vestia meu uniforme escolar. Saia às 16h30 do trabalho rumo à escola.
Foi por chegar cedo ao escritório que conheci o Russo, um menino de uns 10 anos que vendia chicletes no sinal. Aos poucos fui me aproximando dele e assim os colegas do escritório também o fizeram. Timidamente ele começou a contar a sua história.
Morava em uma favela, não freqüentava a escola e sua mãe o obrigava a vender chicletes no sinal. Ao final do dia, se não vendesse todas as caixas que lhe eram entregues, levava famosas surras - tinha seu corpinho marcado com vários lanhos das “cintadas” que levava.
Russo se tornou nosso mascote. Na hora do almoço alguém sempre dividia algo com ele. No lanche ele estava por lá para compartilhar conosco um pedaço de bolo, um biscoito, um sanduíche. Às vezes prestava pequenos favores para o pessoal ganhando sempre uma gorgetinha.
Aproximando-se o dia em que eu completaria 17 anos, a turma do escritório combinava uma surpresa para mim. Enfeitariam a sala para que, quando eu chegasse, a faixa com o carinho do pessoal estivesse lá me desejando Feliz Aniversário. Fizeram um rateio para me presentear com um “Long Play” (que coisa mais antiga!) do Roberto Carlos.
Russo sabia de tudo, talvez até quisesse compartilhar do presente: mas como (se tudo que ganhava era entregue à sua mãe)?
6 de setembro de um ano longínquo chego ao prédio do escritório e Russo me aguardava na escada. Aquele pequeno grande homem estende um saquinho de papel do “Supermercado Pague Menos”:
-Não repare, é meu presente para você.
Só em receber o embrulho meus olhos já marejavam e ao abrir encontrei dois chocolates prestígio.
Abracei-o demoradamente, creio que foi o abraço mais longo e carregado - de tanta energia - que dei na minha vida.
Presente significativo, presente dado pelas mãos do coração.
Durante minha vida tenho recebido alguns presentes que me marcaram, mas sem qualquer dúvida esse foi o presente que mais me emocionou.
Em alguns momentos quando ouço falarem em presentes e nos seus valores financeiros penso que o presente verdadeiro é aquele que é ofertado com os valores da alma, com o coração generoso e agradecido.
Ao começar meu curso universitário mudei de empresa e perdi o contato com aquele menino sofrido, mas que não deixou que a dor cobrisse seu sorriso e esfriasse seu coração.
Embora seja chocólatra, não consigo comer chocolate prestígio, pois ele representa para mim o alimento da alma, um chocolate quase que “sagrado”.
Russo, tantos anos depois, você e seu embrulhinho de papel de pão ainda se encontram gravados na minha memória afetiva. As lágrimas que nesse momento teimam em embaçar meus olhos são lágrimas de felicidade por ter tido a oportunidade de conhecer um ser tão frágil e tão especial.
Ao Russo, meu carinho, minha saudade.
Janeiro/2010
O chocolate sagrado
Comecei a trabalhar com 13 anos em um escritório de contabilidade.
Estudava no turno vespertino, entrando na escola às 17h. Para cumprir o horário de trabalho chegava à empresa às 7h, tirava somente uma hora de almoço, quando ia a casa, almoçava rapidamente e vestia meu uniforme escolar. Saia às 16h30 do trabalho rumo à escola.
Foi por chegar cedo ao escritório que conheci o Russo, um menino de uns 10 anos que vendia chicletes no sinal. Aos poucos fui me aproximando dele e assim os colegas do escritório também o fizeram. Timidamente ele começou a contar a sua história.
Morava em uma favela, não freqüentava a escola e sua mãe o obrigava a vender chicletes no sinal. Ao final do dia, se não vendesse todas as caixas que lhe eram entregues, levava famosas surras - tinha seu corpinho marcado com vários lanhos das “cintadas” que levava.
Russo se tornou nosso mascote. Na hora do almoço alguém sempre dividia algo com ele. No lanche ele estava por lá para compartilhar conosco um pedaço de bolo, um biscoito, um sanduíche. Às vezes prestava pequenos favores para o pessoal ganhando sempre uma gorgetinha.
Aproximando-se o dia em que eu completaria 17 anos, a turma do escritório combinava uma surpresa para mim. Enfeitariam a sala para que, quando eu chegasse, a faixa com o carinho do pessoal estivesse lá me desejando Feliz Aniversário. Fizeram um rateio para me presentear com um “Long Play” (que coisa mais antiga!) do Roberto Carlos.
Russo sabia de tudo, talvez até quisesse compartilhar do presente: mas como (se tudo que ganhava era entregue à sua mãe)?
6 de setembro de um ano longínquo chego ao prédio do escritório e Russo me aguardava na escada. Aquele pequeno grande homem estende um saquinho de papel do “Supermercado Pague Menos”:
-Não repare, é meu presente para você.
Só em receber o embrulho meus olhos já marejavam e ao abrir encontrei dois chocolates prestígio.
Abracei-o demoradamente, creio que foi o abraço mais longo e carregado - de tanta energia - que dei na minha vida.
Presente significativo, presente dado pelas mãos do coração.
Durante minha vida tenho recebido alguns presentes que me marcaram, mas sem qualquer dúvida esse foi o presente que mais me emocionou.
Em alguns momentos quando ouço falarem em presentes e nos seus valores financeiros penso que o presente verdadeiro é aquele que é ofertado com os valores da alma, com o coração generoso e agradecido.
Ao começar meu curso universitário mudei de empresa e perdi o contato com aquele menino sofrido, mas que não deixou que a dor cobrisse seu sorriso e esfriasse seu coração.
Embora seja chocólatra, não consigo comer chocolate prestígio, pois ele representa para mim o alimento da alma, um chocolate quase que “sagrado”.
Russo, tantos anos depois, você e seu embrulhinho de papel de pão ainda se encontram gravados na minha memória afetiva. As lágrimas que nesse momento teimam em embaçar meus olhos são lágrimas de felicidade por ter tido a oportunidade de conhecer um ser tão frágil e tão especial.
Ao Russo, meu carinho, minha saudade.
Janeiro/2010