VELHAS TARDES DE DOMINGO
VELHAS TARDES DE DOMINGO
Francisco Obery Rodrigues
oberyrodrigues5@hotmail.com
Roberto Carlos relembra com saudade suas jovens tardes de domingo. Eu estou relembrando aqui as velhas, as antigas tardes de domingos em Mossoró, nos tempos da minha infância lúdica, da adolescência e da mocidade. Parece-me que aquelas tardes foram diferentes. E, na verdade, foram. Os tempos eram outros. Os tempos, o ambiente, as figuras, os costumes, os gostos, os tipos de divertimentos, alguns até folclóricos, como as brincadeiras nos bairros - os bailes, o gato no pote e o pau de sebo - que juntavam uma multidão de “meninos” (assim entre aspas, porque eram de todas as idades), até a tranquilidade poética da época. Havia também os pastoris, alguns que começavam na boca da noite, com suas lindas pastorinhas, a Diana à frente, todas de vestidos coloridos - eram uma festa para os olhos - e se prolongavam pela noite. Ainda existem?
Salvo uma briga entre bêbados, em que às vezes se puxavam as facas, ou entre casais ciumentos, nada mais acontecia. Nada de drogas, de assaltos, de sequestros. As bodegas abriam até às nove da noite, em qualquer bairro, e nunca eram atacadas. Existia, pois, alguma coisa diferente nas antigas tardes dos dias de domingo. Eram até menos quentes e o vento, parece que cooperando com essa paz romântica, soprava como que cantando, trazendo de longe um aroma suave e misterioso que impregnava todos com um sentimento de felicidade, de romantismo e de poesia. Os rapazes apaixonados, quando não podiam ver suas namoradas na praça, passavam em frente às suas casas, elas nas janelas ou sentadas nas calçadas com a família; se o jovem era “de futuro”, podia aproximar-se. Simplesmente se verem já era uma alegria.
Já falei em outra crônica nas tardes de matinê no Cine-Teatro Almeida Castro, na Praça da Independência, que se enchia de jovens. Eu, quando não ia, tinha outras opções, uma delas, da qual gostava muito, era assistir às corridas de cavalos que Raimundo Agostinho organizava. Sua casa ficava no final da antiga Rua do Rosário, depois João Pessoa, hoje Mário Negócio. Naquele tempo, Israel Damião ainda não havia construído seu belo palacete na ponta da Rua Pe. João Urbano, hoje Av. Dix-sept Rosado, e o espaço era apropriado para as corridas. Da casa de Raimundo até ao cercado do Sítio Beira-rio, do Dr. Rosado, atravessando todo o vasto Salgado, grande parte atapetada de perrexil, que servia na época como aterro para o lixo da Prefeitura, dava uma boa distância. Os cavalos partiam do cercado e corriam até à calçada de Raimundo. A assistência era grande e entusiasmada, até havia apostas. Lembro que, certa vez, um jóquei não conseguiu frear o cavalo e bateu forte, com a testa, no muro da casa, sangrando muito.
Vizinho à nossa casa morava a numerosa família Beta. Seu Beta tinha uma bodega na zona do meretrício, os filhos homens eram todos barbeiros, inclusive o famoso Zé de Beta, o elegante seresteiro, que nos acordava nas alturas da noite escura (com postes de ferro, de luz fraca, um aqui outro acolá), cantando as canções de Vicente Celestino (A Patativa, Noite Cheia de Estrelas, O Ébrio e outras); algumas mulheres da família eram costureiras, outras ajudavam em casa e uma delas, Maninha, vivia à janela como que esperando alguém, um provável namorado. Nossas famílias não se davam bem: “Deus te livre do mau vizinho”, diz o velho brocardo. Pois bem, a família Beta costumava promover uns “bailes”, sempre aos domingos, muito comuns na época. Contratavam um conjunto com violão, pandeiro, sax e outros instrumentos e o samba rolava até à noite, regado a cachaça para os homens e ponche para as mulheres. Mas, nunca houve qualquer incidente.
Quando meu pai nos levava, aos domingos à tarde, à casa do seu primo Antônio Rodrigues do Monte, que ficava dentro de um amplo terreno, com cajaraneiras, goiabeiras, limoeiros e outras árvores, na praça que hoje tem o nome de Con. Estevão Dantas (naquele tempo era longe, mas se tornava perto pelo prazer do passeio, eu correndo por dentro do extenso mata-pasto), éramos recebidos com alegria, mesa farta de bolos, doces de leite ou de goiaba, servidos por Dona Nenen, que era prima de minha mãe e tinham o mesmo nome.
Nos meses de inverno, quando o Rio Mossoró enchia, a diversão de muita gente, sempre aos domingos, era contemplar, da varanda de proteção construída pela Prefeitura, próxima à barragem, o rio cheio, as águas correndo com pressa, trazendo, além dos afoitos nadadores, que pulavam da ponte, toda sorte de bagulhos – galhos de árvores, bichos mortos, etc. As águas faziam um remanso perigoso no lado esquerdo da barragem e o nadador inexperiente que nele caísse dificilmente escapava.
Outra lembrança agradável: antigamente, muitas casas de família costumavam possuir um piano. E, nas tardes de domingo, o ar se enchia de melodia, as moças ou as donas da casa tocando para a família e para os amigos. No casarão de Targino Soares, que ficava em frente à nossa, havia um, e de casa ouvíamos as músicas lá interpretadas. Tempos depois, já casado e morando na antiga Rua Pe. João Urbano, adquiri um, de muito boa qualidade. Minha filha Simone chegou a tomar aulas com alguns professores, entre eles Ari Salem Duarte e Dona Walda Mendes, por alguns anos. Chegou a tocar músicas de Chopin, Beethoven (Pour Elise era uma delas), e outros compositores, mas, começando a trabalhar e cursar faculdade, ficou sem tempo para dedicar ao piano, coisa de que muito se arrepende. Vários anos depois, já no edifício em que hoje moro, o instrumento era um simples ornamento. Tive que vendê-lo, embora com muita pena.
Tenho muitas outras lembranças das minhas antigas tardes de domingo, dos meus amigos daquele tempo, tudo bem guardado no coração. Elas têm sempre algo de misterioso e de místico também, afinal domingo é o Dia do Senhor. Recordações que costumo rememorar nos meus momentos de solidão, coisas que não interessariam ao meu eventual e raro leitor.
Por isso, encerro aqui esta crônica, cuja leitura talvez possa ser motivo de nostalgia para algum contemporâneo sobrevivente, sentimental como eu.