A REVOLUÇÃO DOS CRAVOS EM PORTUGAL E O EXÔDO DOS ANGOLANOS

TRECHO
BASEADO NO LIVRO “À SOMBRA DO      IMBONDEIRO” DE ANTÓNIO MARCELO


O MFA (Movimento das Forças Armadas) havia derrubado a ditadura salazarista, estando o falecido Salazar agora substituído por Marcelo Caetano. A esmagadora maioria de portugueses, cansados da repressão de dezenas de anos, estava muito feliz. A promessa do movimento era a democracia, a liberdade de expressão, a participação da sociedade nos destinos da nação. O general António de Spínola foi então colocado no comando do MFA. Com o seu óculo extravagante, alinhado e com boa dialética, destacava-se como homem de bom senso. Em fevereiro de 74 havia publicado um livro intitulado Portugal e o Futuro, no qual propunha a formação de uma Comunidade Portuguesa, à luz da Comunidade Europeia, onde o chefe de estado seria o presidente da república e os demais estados e colônias seriam estados independentes com governos próprios e eleitos. O livro tinha sido confiscado e ele exonerado de suas funções. Para os portugueses, as ideias ali contidas constituíam o ideário simbólico da revolução e atendia todas as suas perspectivas.
Os portugueses e Portugal, normalmente tristes e taciturnos, puderam viver momentos de alegria e felicidade. Abraçavam-se nas ruas e viveram momentos de euforia, o sonho de uma nova era turbulenta, mas feliz.

Mas, apenas seis dias depois da Revolução, o 1º de maio de 1974, Dia do Trabalhador, deixou preocupada a classe média e alta da sociedade. Em Lisboa os trabalhadores, numa autêntica avalanche, erguendo milhares de bandeiras vermelhas com o desenho da foice e do martelo, gritavam em uníssono:

− O povo, unido, jamais será vencido!

E repetiam à exaustão:

− O povo, unido, jamais será vencido!

Era o primeiro sinal de que a esquerda comunista estava muito mais organizada do que se poderia supor, e deveras ameaçava a garantia da sonhada democracia.

Membros da PIDE e todos os que ocupavam lugares de destaque no governo anterior foram exonerados e alguns deles presos. Muitos tiveram que fugir para outros países. O movimento popular tomou posse do patrimônio dos cidadãos mais privilegiados, sem qualquer mandato oficial. O povo era quem ditava ordens. Estávamos em meio a uma revolução sem controle, as bases manipuladas pelos comunistas com apoio da facção mais forte do MFA.

A facção democrática liderada pelo General Spínola perdia terreno para a esquerda do MFA. Em 28 de setembro de 1974, numa derradeira tentativa, o General Spínola procura organizar uma manifestação da maioria silenciosa, que se opunha aos desmandos que se verificavam. Num gesto mais antidemocrático que se possa imaginar, as Forças Armadas impediram a concentração que se adivinhava gigantesca, com o pretexto de proteger as liberdades alcançadas.
O general Costa Gomes assume a Presidência e empossa o III Governo chefiado por Vasco Gonçalves, começando assim um governo de extrema esquerda, disfarçado de social-democrata.
A partir de então, os comunistas apoiados pela ala esquerdista do MFA, incrementaram os estragos já feitos, incentivando invasões de apartamentos, quintas e fábricas. Os antigos proprietários eram escorraçados e ameaçados, vendo-se obrigados a abandonar seus imóveis e suas posses.
A lei e a ordem desapareceram e o povo andava à deriva.

O povo é quem mais ordena !

Um amigo angolano, quando ainda em Luanda, havia comprado um apartamento em Lisboa, aonde iria, aposentado, passar o resto de seus dias. Era sua única propriedade. A esposa havia sido hospitalizada por um período relativamente longo e ele decidiu, nesse período, acompanhá-la no hospital. Quando regressaram, constatou que seu apartamento estava ocupada por “trabalhadores”. Nada havia a fazer.
Eles se haviam organizado em células e tinham uma força absurda. Nem polícia nem Forças Armadas os tirariam de lá, não só por falta de autoridade, mas principalmente por conivência oculta.

O apartamento que eu mantinha alugado desde meu tempo de estudante e que usava quando ia a Lisboa, estava sob ameaça. Numa das minhas idas a Portugal a porteira do prédio e minha amiga desde a minha juventude, confidenciou-me:
− Menino, tem aqui umas pessoas que querem tomar posse do seu apartamento. Eu nada posso fazer, e se tomar alguma atitude ainda corro o risco de me despedirem.
Combinei com ela voltar ao seu apartamento, situado na sobreloja entre o térreo e o primeiro andar, à hora que estivessem chegando as tais pessoas.
Dito e feito! Quando iam entrar no elevador, daqueles que se fechavam com uma porta em treliça de ferro deixando ver o interior, comecei a gritar:
− Se eu souber que alguém entrou no meu apartamento, venho aqui com um revólver e mato quem estiver lá. E repeti várias vezes essa mensagem ameaçadora, simulando teatralmente uma raiva incontida. Valeu, porque vários apartamentos do enorme prédio foram tomados. O meu, não!
 

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ANTÓNIO MARCELO
Enviado por ANTÓNIO MARCELO em 17/02/2011
Reeditado em 04/08/2011
Código do texto: T2796691
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