O Sonho de Palmares
Estou lendo um livro de contos de ficção científica chamado “Outros Brasis”, de Gerson Lodi Ribeiro, onde o autor conta o que ele mesmo chama de história alternativa. A historia alternativa é um subgênero da ficção cientifica que especula sobre como seria o mundo ou um país se determinado fato histórico tivesse sido diferente. No caso do “Outros Brasis”, Ribeiro tece sua trama ficcional tendo como cenário um Brasil que se divide em três países: um controlado pelos portugueses que teria seu território demarcado de Salvador até o Rio Grande do Sul; outro colonizado pelos holandeses, abrangendo os Estados de Pernambuco e adjacências ao norte e liderados por Mauricio de Nassau; e o terceiro Estado seria o Reino de Palmares que não teria sido destruído pelos portugueses e teria prosperado e se expandido na área localizada nos Estados de Sergipe, Alagoas e parte da Bahia.
Esse Reino seria constituído, segundo o autor, pela união política de vários quilombos situados na citada região e formaria uma Confederação, a Confederação de Palmares, governada por Ganga-Zumba e uma elite da Nação Bantu. Nesse possível Reino de Palmares não haveria, logicamente, escravos negros, o regime político seria uma monarquia e o sistema produtivo seria algo próximo ao socialismo. Como se vê esse fictício país seria um quase paraíso.
Porem esse paraíso é fruto da criação de uma mente fértil e criativa. A real é bem outra, esta mais próxima do inferno do que do paraíso. O Quilombo de Palmares foi destruído, destroçado, aniquilado. E o que restou? Um país fodido, colonizado, ou melhor, dizendo, explorado por um país sedento por riquezas naturais que mandou para cá a excrescência de sua sociedade, os bandidos, os condenados, os aventureiros, enfim a escoria. Mas levaram do daqui o ouro, a prata, o pau-brasil e todas as riquezas que puderam extrair, deixando aqui a semente de uma elite podre, asquerosa, violenta e racista que até hoje mantém controle dos meios de produção e comunicação com o qual dissemina suas idéias preconceituosas e violentas.
E hoje somos um país dos mais desiguais e com um povo estupidamente ignorante e brutalizado, idiotizado que incorporou e compartilha dos ideais dos que os explora. Um povo em sua maioria afro-descendente, mas que acha “feio” ser negro e ter cabelo “ruim”.
Recentemente, num afã de desprezo contra toda a padronização de comportamentos e da estética, optei por deixar crescer os cabelos. E os comentários que ouça só comprovam a inversão de valores que está e sempre foi propositalmente incutida na cabeça das pessoas. Os comentários são sempre em tom de brincadeira, talvez sincera, mas que esconde o preconceito entranhado na mente. “Cara de doido”, “homem das cavernas”, “Michael Jackson pedófilo” são alguns dos que já ouvi. E isso é só o começo, como me disse um Camarada!
Os comentários não são “maldosos”, mas carregam o preconceito velado, entranhado na mente, tão oculto que nem mesmo o preconceituoso percebe que tem preconceito. Isso porque as pessoas estão habituadas com um determinado padrão e ninguém pode destoar dele sem que seja alvo de tais comentários. Porque os mesmos comentários não são feitos a um homem de cabelo “bom” quando este o deixa crescer? Fico tentando imaginar o que pensam os que não têm a oportunidade de me fazer o comentário diretamente! É uma pena que a Confederação de Palmares seja apenas uma invenção, pois se fosse real certamente me mudaria para lá.
Taciturno Calado.