O fio com que se tecem as lembranças
Minha saudade tem fios de renda tecida com bilros. Era tão lindo aquele tec-tec que do nada fazia surgir a rendinha usada nas camisolas de cambraia. Era minha mãe rendeira nas horas vagas, pois para ganhar o sustento ela se valia mesmo era da sua máquina Singer. Hoje ao fazer minha caminhada, no início da manhã, passei por uma dessas casas que vendem máquinas de costura e ali vi vários daqueles pés de ferro que serviam de suporte para o gabinete da máquina de costura.
Costurava em casa e nas casas das patroas. Era comum nas casas de família, normalmente numerosas, haver máquinas de costura. Do que minha mãe costurava sobravam muitos retalhos. Alguns serviam para costurar roupas para mim ou para outra criancinha da vizinhança. Outros eram emendados, de qualquer jeito, pela minha tia, para formar colchas de retalhos. Os que não serviam para nada disso eu herdava e com eles costurava roupas para as bonecas. Tinha o morim, o tergal, o poliéster, o linho, a seda, o brocado... Mas os que eu mais gostava eram os tecidos com estampa miúda, a chita. Esses não tinham goma e eram mais fáceis de serem costurados à mão. As bonecas eram feinhas, de plástico liso, sem olhos que piscavam e sem cabelo para pentear. Em compensação, desfilavam lindas, uma atrás da outra na passarela sem jamais repetir a mesma peça. Tínhamos um guarda-roupa invejavel!
Por esse motivo, ou por qualquer outro que desconheço, costumo sonhar ainda hoje com tecidos. Tecidos lindos com cores e estampas que jamais vi. Às vezes penso em desenhá-los, colorindo-os com meus lápis aquareláveis, mas, de fato, nunca chegou ao papel essa ideia. O que o papel recebe são as bordaduras em palavras. Os retalhos retirados das gavetas da experiência, ao molde da imaginação, alinhavados ponto por ponto.
Feliz ou infelizmente, nenhuma criança diz à época: "é encantador ser criança!" Isso só se diz depois. Muito depois! Quanto mais o tempo passa, melhor se tece com os fios daquelas verdes lembranças.