UM MATADOR DE ALUGUEL

Morreu o facínora do jeito que faz supor ele tenha vivido – sob o signo e a prática da violência. E o fato verídico aconteceu outro dia, ainda neste janeiro, lá na cidade de origem do notável humorista Chico Anysio (que a Providência levante esta boa alma da cama hospitalar, onde ora se encontra).

Apesar dos bem duzentos anos da sentença que pegara, na Justiça, o matador profissional – e de aluguel – cavalgava livremente um equino, ou muar, por trás da cadeia pública de Maranguape, quando tombou sem vida. Grotescamente, despencou da alimária já inerte, desarmado, bem à beira de pequeno regato e à frente de um casario pobre.

Homens armados, em um carro preto, dispararam uma chuva de balas no corpo daquele que se notabilizou, no Ceará e no Nordeste, com a alcunha de “Mainha”. E para que não se lhe envergonhem os familiares, filhos e netos, sobretudo, nem pensem que vou declinar, aqui, o nome integral do homicida cuja pluralidade de crimes foi bastante avantajada. Um horror em número de crimes de morte perpetrados.

Uns, da imprensa falada e escrita, não sei se caprichando nas hipérboles, chegam a afirmar que o gajo assassinou mais de cem; outros, no entanto, que apenas cerca de oitenta e tantos cabeças de pessoas. Mas agora, que “Mainha” está morto, será impossível obter-se a confissão do cômputo líquido e verdadeiro dos assassínios que o sanguinário matador cometeu. O homem era um Ronaldão no gatilho.

Ceifou a vida de políticos (pelo menos dois prefeitos), advogados, fazendeiros, comerciantes e também gente do povo; fez comer capim pela raiz alguns policiais, além de outras autoridades. No interior potiguar, um promotor de justiça, por exemplo. Agiu nos interiores do Rio Grande do Norte, do Ceará e parece que igualmente na Paraíba, sem muitas provas, mas também passou fogo em homens e mulheres nas capitais desses Estados.

Uma coisa de razoável a boa, até legal, o matador de aluguel tinha nos couros: uma vez em reclusão – cumprira anos, já – nunca fez questão de fugir, mesmo quando lhe surgiu a santa ocasião favorável. Suponho que temia, caso assim agisse, que a Polícia ou desafetos dele lhe queimassem o topete. Como a Justiça brasileira é “boazinha”, à beça, lassa que faz gosto, ele também há anos gozava de mil regalias: a tal “liberdade condicional”, na pontinha do rol de vantagens judiciais.

Imagem só que o tal “killer” do Nordeste, matador por dinheiro, havia virado empresário do ramo de transporte alternativo, pois dono daquelas peruas a que chamamos de Topics ou Vans, coisa que o valha.

Ainda estando presidiário, em regime fechado, na zona metropolitana de Fortaleza, durante uma rebelião de presos que culminou com a feitura do cardeal Dom Aloísio Lorscheider como refém de um marginal rebelado, um de codinome “Carioca”, “Mainha” omitiu-se de participar do motim e até protegeu uma repórter de tevê que dava cobertura ao evento da visita do cardeal àquele cárcere, o presídio central, famigerado IPPS. Pela ação benevolente, o bom de bala marcou tento e foi elogiado pelos jornais. Se desejasse, naquela zorra toda, ter-se-ia evadido, na grande.

Falei, lá atrás, da Justiça “boazinha”, ou estou surfando no próprio olvido? Não me esqueci do que ia dizendo. Pois foi por conta dessa leniência da senhora dona Justiça que o “Mainha” abreviou os dias da existência lá dele. O temido, respeitado e mui bem sentenciado pistoleiro tombou antes do cumprimento da sua pena bem de uns duzentos anos por causa da bondade boazinha da Justiça.

Mas fiquem frios, amados “brothers” ouvintes do badalado BBB! No Brasil, essas coisas podem ocorrer placidamente. Crimes hediondos são resvalados. E acontecem mesmo, de fato, sem “grilo” nenhum. Há até políticos sentenciados e reeleitos, já muito bem empossados, nos seus cargos. E também não nos esqueçamos de que, a flanar no mesmo mar de rosas, alguns banqueiros e colarinhos-brancos, uai, nobres mineiros! Pá, gaúchos, e arre égua, conterrâneos das plagas de Alencar!

Fort., 30/01/2011.

Gomes da Silveira
Enviado por Gomes da Silveira em 30/01/2011
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