O Primeiro Guarda-Chuva
“O dia de ontem foi importantíssimo na minha vida: o dia que comprei meu primeiro guarda chuva”.
Guilherme de Almeida (1890-1969) – poeta brasileiro.
Começo depois de citar um trecho de uma antiga crônica de um dos príncipes dos poetas brasileiros, Guilherme de Almeida. A crônica do Guilherme a qual me refiro tem o título de ‘Pluviose’ e foi publicada em 19 de janeiro de 1932 – quase ontem! Só me refiro a ela porque a situação, ou o mote inicial é parecido. E o fato é muito simples: neste último sábado acabei comprando meu primeiro guarda-chuva, assim como fez o poeta há setenta e cinco anos.
Não é que eu estivesse incomodado com a chuva que caia – há tanta gente que se incomoda –, até voltaria caminhando sossegado enquanto ela caía, entretanto não poderia molhar as coisas que carregava e, como não havia outro jeito, entrei numa loja e comprei um guarda-chuva. Acabei comprando um daqueles tradicionais de tecido sintético preto – daqueles que mais se parecem com um morcego ou corvo espetado na ponta de um ferro. Preferia adquirir um daqueles coloridos, igual a um que vi num filme do Almodóvar (Tudo sobre minha mãe), colorido com vermelho, laranja, azul e verde, mas acho que as pessoas ao me verem transitando com um guarda-chuva desses torceriam nariz só porque não teriam a mesma coragem de atravessar a cidade com um igual. Entretanto, não havia nenhum nessas características na loja (graças a Deus!) e a melhor opção era um guarda-chuva tradicional.
Depois de terminados os afazeres daquele sábado, voltei para casa, já no fim de tarde, de carro com os amigos, a chuva que caía “aos baldes” fazia com que os carros que transitavam pela avenida central jogassem longe a água da enxurrada – coitados dos pedestres naquele momento! Havia usado o meu guarda-chuva apenas umas duas vezes naquele dia, mas, ao chegar em casa, coloquei-o seguro para que mãos “profanas” não pudessem pegá-lo e, quem sabe, entortá-lo logo na primeira chuva.
Ah, retornando um pouco à crônica do Guilherme... Lembrei-me desse texto para poder para contar esse fato ocorrido comigo sem que o leitor pensasse que estivesse ficando louco ao falar de um fato tão banal (ou seria para mostrar que não sou um louco isolado?). A lembrança dessa crônica do Guilherme veio mesmo a calhar, era um bom mote para começar a escrever. Não se trata apenas de uma desculpa de falta assunto para poder puxar um outro assunto.
Bem... Se para escapar da chuva, que não cessava acabei, me protegendo debaixo das asas negras do meu novo guarda-chuva, acabei voltando feliz, pois sabia que precisávamos de chuva, mesmo que ela tenha pegado muitos de surpresa – e dentre esses muitos, eu. Depois de meses de estiagem sua volta foi muito bem-vinda, mesmo que ela tenha voltado pra valer, fazendo com que muitos ficassem em casa, dificultando a ida para o trabalho ou até quase que acabando com os encontros da noite, principalmente os da noite de sábado. Mas valeu a pena ter tomado chuva!
Sei que a água mesmo – como disse acima – tendo “caído aos baldes” (também poderia dizer caído a cântaros), está cada vez mais escassa. É um fato cada vez mais preocupante... Ainda mais depois do começo desse ano quando mais más notícias sobre o clima do nosso planeta foram divulgadas: temperatura que está aumentando, rios que estão secando, reservatórios baixando, geleiras polares derretendo em ritmo acelerado e colocando em risco as regiões costeiras. É o clima que vem mudando cada vez mais rápido... E a culpa é de quem? De todos, claro!
A lista de erros que cometemos para com o meio-ambiente é muito grande, melhor nem começá-la, pois serão folhas e mais folhas... Se pararmos pra pensar, não são somente as grandes potências mundiais as responsáveis pela mudança do clima, pela poluição, toda essa mudança foi feita também pelos pequenos atos dos seres humanos (ex: um simples papel ou garrafa jogada num rio) e que se juntam a outros grandes: Desmatamento, queimadas, o aumento da frota de veículos movidos por combustíveis fósseis.
Tudo bem, o leitor pode pensar que, se comparado a uma indústria americana ou chinesa, a sua culpa é menor, ou que até poderia sentir-se isento de culpa, mas se juntarmos a culpa de todo mundo – inclusive a desse pobre escritor que não é melhor do que ninguém e que também não serve de bom exemplo –, aí a coisa muda. E, meu Deus, a coisa está ficando preta!
Mas o que fazer? Será preciso mudar os hábitos, deixar de preocupar-se só consigo mesmo, deixar de querer que o restante do mundo se lasque, e tomar medidas simples para que o clima no nosso planeta possa melhorar, como o simples de plantar árvores: E quem sabe, uma no quintal de casa, para dar sombra, frutos – só para deixar de lado essa mania de colocar concreto em tudo, criando assim pequenos fornos urbanos (só para não dizer infernos!). Quem sabe uma jabuticabeira, laranjeira ou – na preferência desse jovem escritor – uma frondosa mangueira.
E, por uma melhor qualidade de vida, até que poderíamos voltar a um tempo mais simples, quando havia mais mato, mais árvores, mais passarinhos para poder garantir que seja longa a existência dos seres humanos neste planeta.
Podemos ajudar a proteger as árvores que ainda temos, sejam as das nossas florestas, as que protegem as nascentes da água tão preciosa para a nossa sobrevivência. Ah, e não podemos esquecer as árvores das nossas calçadas, florindo o ano inteiro nas cores das quaresmeiras, espirradeiras, ipês e etc. Também não devemos esquecer de não jogar lixo em qualquer lugar para que a nossa sujeira não vá parar nos rios ou, no caso de uma chuva, não acabe entupindo as galerias fluviais.
Não é querendo estar na crista da onda de se falar em meio-ambiente, o assunto é sério, e se não fizermos nada a situação só tende a piorar. E é sempre o momento propício de se preocupar com o próximo, de fazer uma cidade melhor. E precisamos de água!
Se por um lado esperamos ansiosos pela chegada das chuvas para que os reservatórios das cidades pudessem normalizar o nível, para que o clima ficasse mais agradável, ameno, por outro há o desperdício, e é tão fácil ver pela manhã gente mal educada e egoísta lavando a calçada como se não estivesse fazendo nada de errado. E se alguém for corrigi-las as mesmas vêm nos dizer que estão pagando pela água que consomem – que consomem? Não seria a água que poderá faltar para o consumo de outra pessoa? Não seria a água desperdiçada e que escorre sem a mínima consideração pelas sarjetas só para retirar umas poucas folhas ou um pouco de terra, trabalho que qualquer vassoura do mundo – por pior que esta seja – faria melhor? Que bom seria se não usássemos da preguiça como o melhor método para se livrar dos problemas...
Mesmo que a questão do uso racional da água ainda seja uma nuvem negra que até parece que é sem solução, porque ainda há pessoas que insistem em desperdiçar, não cuidar, devemos ter certeza que podemos reverter essa situação, com pequenas soluções (exemplos: usar uma vassoura, não jogar óleo de cozinha pelo ralo da pia), pois como dizia o velho Mark Twain: "Nada precisa tanto mudar quanto as manias dos outros". E as nossas manias também!
Por enquanto a situação é negra como o tecido do meu novo guarda-chuva, porém, sei que acima dele existem as nuvens – e naquele dia elas pareciam muralhas negras, e acima delas o alto céu, imensidão e, mais além, o sol. E o sol brilha sempre, mesmo estando encoberto por nuvens negras como também sei que brilha sempre uma luz no fim do túnel.
11/11/2007
Publicada no Jornal Comarca de Garça em janeiro de 2008.