Pra não dizer que não falei dos generais

Ontem a noite liguei o rádio sem qualquer pretensão que não fosse ouvir uma boa música. Quando já estava para dormir, uma voz corajosa me fez pular da cama. Para o meu espanto, a gravação era a original. Acho que não estava preparado para ouvir aquela canção naquele exato momento, por isto, o susto.

Na minha juventude a repressão era brutal, não se ouvia quase nada que não fosse liberado pela censura embrutecida de militares despreparados, que se faziam de líderes pela força de suas fardas e cavalos enfurecidos que avançavam sobre as multidões que ousavam ir à Esplanada dos Ministérios nos tempos da ditadura. Eu era quase um menino, minhas pernas mal davam para correr quando via aquelas bestas de espadas em riste bradando ordens que eu não podia compreender... o verde do gramado parecia não ter fim.

Hoje me lembro, não com ódio, mas com vergonha, daquelas imagens dantescas que certamente não estão gravadas apenas na minha memória de estudante de Economia. Alguns anos já se passaram, muitos daqueles comandantes já se foram, pior, poucos se lembram deles e os que lembram, não devem ter boas recordações.

Nunca vou me esquecer da voz de Geraldo Vandré cantando Pra não dizer que não falei das flores. O escárnio é tão sutil que só os que têm ouvidos refinados são capazes de perceber o nojo com que ele repetia: “quem sabe faz a hora, não espera acontecer...”

Esta é uma das páginas mais escuras da nossa História. Se eu fosse um daqueles militares que não aprendeu que “viver não é preciso” sentiria acanhamento do que fizeram com alguém que só queria seguir caminhando e cantando as mazelas do seu país.

__ Ah, já, já alguém vai me dizer: “vem, vamos embora/não espera acontecer...”.

Pedro Cardoso DF
Enviado por Pedro Cardoso DF em 26/01/2011
Reeditado em 03/10/2017
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