Saudades de mim .7 Os eventos.
Os eventos na fazenda.
Lá morava muita gente, e como todo mundo andava a pé, parecia um formigueiro, indo e vindo pela estrada, nos trilhos e atalhos e quando acontecia algum evento todo mundo participava. O mais concorrido era a missa na pequena igreja que acontecia quando, vinha o padre lá da cidade. Outro evento era o jogo de futebol no domingo a tarde, que alvoroçava a fazenda, principalmente as moças, que torciam e flertavam com os jogadores. Eu achava meio indecente homens adultos de calções, pois naquela época, desde rapazinhos os homens só usavam calças compridas. Meu interesse não era o jogo nem os jogadores, mas os dôces da venda e o sorvete que era vendido nesses dias, trazidos da cidade, mas raramente tínhamos dinheiro para comprar, então ficávamos de olho comprido, esperando ganhar de alguém um restinho no palito. Um dia meu avô deu dinheiro para minha irmã e eu e fomos correndo ao sorveteiro, mas o sorvete tinha acabado. Que decepção! Ficamos alí paradas, chateadas, com o dinheiro enrolado na palma mão suada e o sorveteiro penalizado nos ofereceu gelo, não era sorvete, mas era gelado! Aceitamos, afinal era novidade, e acredite se quizerem, ele cobrou o gêlo! Homem sem coração! Vender gêlo prá criança! E ainda levamos bronca da mãe quando ela ficou sabendo da estória! Outro evento concorrido era o baile realizado no terreiro da venda, num grande palizado feito com bambús e lona. No meio era colocado uma mesa com uma cadeira em cima para o sanfoneiro e ao redor o povo "picava o couro" até altas horas! Meus pais costumavam ir e nos levava também e quem quizesse ficar sentado tinha que levar a cadeira de casa e isso era tarefa das crianças e lá íamos nós com as cadeiras na cabeça parecendo formigas carregando enormes folhas, minha mãe precisava sentar, pois tinha criança de colo. Eu não ligava para o baile, mas adorava as balas e os doces da venda que meu pai comprava nessas ocasiões. Minha mãe gostava de dançar, mas meu pai era muito tímido e preferia jogar truco ou prosear com os camaradas, então minha mãe dançava com as amigas, enquanto eu segurava o "nenê" e mais tarde, cansados voltávamos para casa carregando as cadeiras, deixando o "nheco-nheco" da sanfona cada vez mais distante. Ao chegar em casa "lavávamos os pés" e caíamos na cama como pedras! Os terços e as novenas também eram comuns nas casas da fazenda, e todos participavam. As mulheres e as crianças menores ficavam na sala, sentadas ao redor da mesa que nessa ocasião virava altar coberta com uma toalha branca( as vezes com lençol) com imagens e quadros de santos dispostos entre vasos de flores e velas. Os homens ficavam do lado de fora da casa, muitos conversando, sem nenhuma devoção e as crianças maiores também ficavam brincando no terreiro, as vezes bulindo na fogueira, esperando a melhor hora que era no final das rezas quando serviam café, chá, chá de chocolate feito com chocolate em pó, água e açucar e pão dôce. Eu tomava muito chá de chocolate e adorava as xícaras em que era servido, pois para servir tanta gente emprestava-se xícaras de toda a vizinhança e era tão lindas, cada uma de um jeito, com cores, tamanhos e formatos diferentes, "algumas tinham o cabo quebrado". Eu imaginava o transtorno na hora de devolver as xícaras para saber qual era de quem, devia ser uma confusão! Bom mesmo eram os terços de Santo Antonio, São João e São Pedro no mês de junho com levantamento de bandeiras e tiroteio de rojões. Nada a ver com os efeitos pirotécnico de hoje em dia, mas prá quem morava lá onde o Judas perdeu as meias, duas dúzias de rojões de três tiros era uma maravilha. Era lindo! Saudades da riqueza de coisas tão simples.